Cultura em Cabo Frio tem preço. Pelo menos é o que diz a denúncia de Reinaldo Carlos de Oliveira, popularmente conhecido como “Caó”. Artista há 47 anos, ele vive da pintura e relata “falta de respeito” por parte da Prefeitura que, durante a gestão do falecido prefeito José Bonifácio, adquiriu um acervo de obras, avaliado em aproximadamente R$ 31,5 mil, sobre a cidade e, depois de quatro anos, decidiu devolvê-lo – sem pagar. Para ele, que tem suas artes espalhadas por vários países, a atitude do município também gerou “prejuízos incalculáveis”, pois além de dinheiro, o fato o abalou psicologicamente.
Diante disso, um protesto será realizado nesta quarta-feira (24), dia em que, depois de todo o ocorrido, recolherá as obras. O “ato de desagravo”, que está sendo amplamente divulgado nas redes sociais, vai reunir artistas, produtores e servidores em apoio ao artista.
O acervo composto há um ano e oito meses é reúne 14 obras que contam a história de Cabo Frio, segundo Caó, artista reconhecido por suas obras em toda a Região dos Lagos. O valor combinado – e nunca pago pela prefeitura -, foi de R$ 31.510,00. O documento é de 16 de novembro de 2022. À época, ao adquirir as obras, Bonifácio tinha como intuito expô-las no Palácio das Águias. O problema é que, em meio aos trâmites legais relacionados ao pagamento, houve a troca de governo.
Caó conta que a justificativa inicial dada para a falta de quitação do acervo era “uma dívida de IPTU em seu nome”, o que, conforme afirma, fez questão de resolver o mais rápido possível, até porque “tinha feito planos com a quantia acertada com a prefeitura”. Tendo em mente que estava tudo correto com relação ao pagamento, ele realizou planos – que não foram totalmente cumpridos – sobre uma viagem internacional para expor suas obras na Europa.
“E com tudo isso eu fiz planos, eu fiz projetos. Inclusive, estou vindo agora de uma jornada artística e cultural em cinco países: Portugal, onde eu fiz exposições, fiz workshop, palestra. Portugal, França, Espanha, Bélgica, Holanda… Estou há um mês e cheguei dessa minha viagem. Lá, infelizmente, [não recebi o apoio com o pagamento]. Além de perda, eu passei frustrações (…), como o meu filho, que não pude levar ele, porque esse dinheiro não saiu (…)”, conta Caó.
Muito abalado psicologicamente com a situação, ao chegar da Europa no início do ano, Caó conta que foi cobrar novamente respostas da prefeitura. Como resposta, afirma que o disseram, mais uma vez que “as obras precisavam passar por avaliadores” e que “resolveriam isso depois do Carnaval”. O artista destaca que o acervo já havia sido avaliado. Diante disso, ele conta que decidiu solicitar o anulamento do contrato de compra.
“Eles me pediram isso tem mais de um ano. Quando chegou agora, [pediram] de novo avaliadores, quando eu cheguei, né. Isso tem um mês, mais ou menos. Voltei lá de novo [e perguntei]: ‘Mas de novo? Vocês já pediram isso tem mais de um ano!’. Enfim, o meu alívio nisso tudo é que, apesar desse prejuízo todo é que eu vou retirar as minhas obras. É vergonhoso, mas as obras serão retiradas”, explica Caó, complementando:
“Estou muito chateado, dói na minha alma. Então aí deu esse ‘bafafá’ todo. (…) E quarta-feira (24) estarei retirando todas as 14 obras (…)”, concluiu.
Diante de toda a situação, um ato de apoio ao artista, que, além de ter reconhecimento internacional, comanda projetos sociais e já recebeu a Comenda do Mérito Cultural em 2008 da Associação Fluminense de Belas Artes – AFBA/Niterói, será realizado no momento da retirada total das obras.
Denominado como “ato de desagravo”, o protesto acontecerá em frente à Casa de Cultura José de Dome, o Charitas, às 11h desta quarta-feira.
Leia o texto que está sendo compartilhado junto à divulgação do protesto:
“A Cultura de Cabo Frio enfrentou um ataque sem precedentes! A obra e a trajetória de
um importante artista da nossa cidade foram frontalmente atacadas. Por que esse ataque em particular, entre tantos nos últimos anos, é o mais violento? O descaso e desrespeito impostos aos nossos principais patrimônios culturais deram origem ao Movimento Paralelo 24, que busca resgatar e valorizar a Cultura cabo-friense e seus patrimônios materiais e imateriais. As notícias diárias sobre a situação cultural da cidade nos deixam cada vez mais
indignados. No entanto, o ataque ao ex-diretor do Espaço Cultural Torres do Cabo e
proprietário do Atelier Casa de Caó foi o mais grave: Caó, hoje é um artista reconhecido em toda a região tendo recebido a Comenda do Mérito Cultural em 2008 da Associação
Fluminense de Belas Artes – AFBA/Niterói, e recentemente expos suas obras em turnê pela
Europa onde passou por 5 países naquele continente. Seu trabalho nos enche de orgulho, em 2022 o então prefeito da cidade de Cabo Frio, José Bonifácio através da Secretaria de Cultura adquiriu 14 obras do artista para o acervo municipal, que possui uma tradição
de grandes artistas plásticos. Infelizmente, mais de um ano e cinco meses após a compra, o município não apenas deixou de pagar ao artista, mas também arquivou o processo e
devolveu as pinturas, demostrando total desrespeito com o artista em questão.
Nós, artistas e ativistas culturais, a muito somos desrespeitados pelas gestões
municipais, CHEGA!!! O papel correto da Secretaria não seria devolver as obras, mas sim
buscar uma solução de pagamento que valorizasse o artista e sua obra.
Um absurdo! Uma vergonha. A cultura de Cabo Frio foi loteada e hoje é administrada
por pessoas que não conhecem nossa realidade, nossos valores e nossos verdadeiros
patrimônios. Estamos abandonados! Neste desagravo a Reinaldo Caó, dirigimo-nos aos servidores, agentes, produtores, ativistas e usuários da cultura, bem como à população em geral, para expressar nossa solidariedade ao artista, pois essa agressão à sua obra requer reparação ética, moral e institucional. Para concluir, convocamos todos a reagir enviando e-mails a jornais e mídia em geral denunciando esses acontecimentos”.
Diante dos fatos, o RC24H entrou em contato com a prefeitura da cidade, que respondeu que “a gestão anterior, de forma equivocada, incorporou as obras de Caó, ao acervo municipal, antes de concluir a compra do mesmo” e que explicou que tentou resolver a questão conforme determina a legislação, para que fosse efetuado o pagamento”, destacando que o “processo estava “aberto e em tramitação”.
Confira a nota na íntegra:
“A Prefeitura de Cabo Frio, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informa que a gestão anterior, de forma equivocada, incorporou as obras do artista plástico Reinaldo Caó, ao acervo municipal, antes de concluir a compra do mesmo.
Para resolver a questão, a atual gestão, com o conhecimento do artista, deu seguimento ao processo, colocando as obras dentro do plano de contratações anuais, conforme determina a Legislação, para que fosse efetuado o pagamento. O processo estava aberto, em tramitação.
Contudo, na semana passada, o artista retornou à Secretaria Municipal de Cultura, informando que tinha conseguido um comprador para o acervo dele, com valor acima do que o município pagaria. Diante do pedido de liberação das obras, a Secretaria de Cultura, vai devolver o acervo para o artista, que já assinou toda a documentação para a devolução e cancelamento do processo de compra que será paralisado e arquivado.
A atual gestão da Secretaria Municipal de Cultura reforça que tem se empenhado ao máximo para dar seguimento a diversos processos paralisados, como o do caso em questão e de outros que também não tiveram o andamento adequado, mas foram reabertos e terão a tramitação adequada, conforme determina a lei”.
Além disso, o secretário de Cultura da cidade complementou a nota destacando que “esse processo é uma sucessão de equívocos e problemas da burocracia administrativa”.
“A compra de uma obra de arte não é simples, precisa de avaliador para analisar a originalidade e o valor de mercado ou o artista ter notas fiscais de de obras “semelhantes”. Bonifácio foi a exposição, no Charitas, escolheu uns quadros para serem adquiridos para o acervo. O Caó faria uma viagem para Europa e Zé queria ajudar o artista comprando esses quadros. Aí foi o primeiro “equivoco”, porque o correto é avaliar a situação fiscal do artista e a análise jurídica da compra para só então pegar os quadros, mas… Abrimos o processo, ele não entregava as certidões dentro do prazo e teve problemas com a certidão da Receita Federal e com a municipal. Levou meses para acertar os débitos, só com o município a dívida era de 14 mil. Quando finalmente acertou o débito municipal, veio o parecer da CGM pedindo um analista dos valores (essa parte é possível resolver com outros documentos, aqui faltou articulação política por parte dos secretários da época) Quando veio o parecer da CGM ele foi pra Europa, depois virou o ano e tudo isso não entrou no PAC”, explicou o secretário.
“Isso é um resumo dos problemas que teve no processo, tá? A questão é que eu assumi em janeiro. E aí, esse ano, mudou a lei, que é o plano anual de contratações, né? De contratações anuais. E aí, tem uma série de exigências. Então, estava readequando e inserindo compras de obras de arte que não estavam nesse plano para estar no plano para, sim, a gente poder comprar. Só que essa semana, o artista Caó foi na secretaria, dizendo que teve uma proposta do empresário da cidade que queria comprar as obras por um valor até maior do que a secretaria ia pagar, do que a prefeitura ia pagar, tá? E assinou um documento pedindo a devolução das obras para que isso fosse feito. E pelo que eu estou percebendo, já estava tudo combinado com o grupo aí para fazer isso, para ter uma manifestação. Então, eu estou há três meses lá. Ele falou que está há um ano e oito meses lá. Como é que a nossa secretaria… Como é que a nossa secretaria não teve boa vontade, ou não teve respeito com ele? O processo demora a andar, não é assim? Então, vários outros processos estão andando, a gente tá andando com reforma, de um monte de coisa que tava parada, e o trabalho é sério. Então, a gente não tem distinção entre artistas, pelo contrário. A gente quer atender a todos de maneira democrática e igualitária, mas os processos e a burocracia demandam coisas, esse teve vários problemas ao longo, e a gente tava desatando os nós. Mas, ele fez esse pedido e a gente achou legítimo, né? Já que ele é o dono das obras, e teve esse programa durante um ano e oito meses, e apoiou ele”, complementou Márcio.
Por fim, ele mencionou um caso parecido com o de Caó.
“O próprio Ivan Cruz, que estava com o processo arrastando há anos, que era um problema semelhante, a gente conseguiu remediar e vai começar a reforma. Se o Caó esperasse mais um pouquinho, com certeza ia ser concluído a compra dos quadros. Mas ele está preferindo fazer um ataque político em vez de resolver o problema dele. E a isso eu não vou admitir, porque a gente está trabalhando sério, tecnicamente, atendendo todo mundo. Isso é inadmissível”, concluiu.
Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Veiga de Almeida e pós-graduanda em Assessoria de Imprensa, Jornalismo Estratégico e Gestão de Crises pela Universidade Castelo Branco.
Já atuou como apresentadora na Jovem TV Notícias, em 2021. Escreve pelo Portal RC24h há três anos e atua, desde julho de 2022, como repórter do Jornal Razão, de Santa Catarina.
É autora publicada, com duas obras de romance e mais de 500 mil acessos nas plataformas digitais.