Uma proposta polêmica que tramita no Senado Federal pode colocar em risco o futuro das praias brasileiras e afeta diretamente a Região dos Lagos. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022, já aprovada na Câmara dos Deputados, prevê que União não terá mais propriedade exclusiva sobre terrenos de marinha, cedendo áreas a municípios e estados e até a iniciativas privadas, promovendo a venda a seus ocupantes.
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal realizou, nesta segunda-feira (27), uma audiência pública para debater a PEC. No encontro, que teve como relator o senador Flávio Bolsonaro (PL), atuante na aprovação do projeto, foram apresentadas críticas de especialistas, que apontaram que o texto abre brechas na lei para criar praias privadas, além dos altos riscos ambientais.
Diferentemente do que se possa imaginar, os “terrenos de marinha” não pertencem à Marinha do Brasil. São propriedades da União estabelecidas há quase dois séculos, em 1831, e compreendem áreas localizadas na costa marítima, margens de rios e lagoas, manguezais, apicuns, além das que contornam ilhas costeiras e oceânicas. Na Região dos Lagos, diversas áreas paradisíacas como a Praia das Conchas, a Ilha do Japonês e as Dunas do Peró estão entre as que podem ser afetadas.
Assim como na audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), as opiniões sobre o PEC estão divididas em Cabo Frio. A maioria das pessoas acredita que, caso aprovada, ela pode gerar privatização do acesso ao mar, degradação ambiental, causado principalmente pela especulação imobiliária em áreas frágeis, e aumento da desigualdade social. Mas há quem seja a favor pela descentralização da arrecadação, que hoje é da União, e com a PEC, iria diretamente para os municípios, que saberiam melhor como gerir o dinheiro.
É o que pensa o biólogo e professor universitário Eduardo Pimenta. Analisando a PEC, ele entendeu que os impostos que vão para o governo federal, passariam a ir para o Estado e para os municípios. “São os gestores do território, do espaço geográfico municipal, que tem muito mais percepção e sensibilidade para a melhor aplicação desses recursos. Essa PEC, que está agora sendo apreciada, ela não privatiza nada. O que pode acontecer depois que isso passar para os municípios e, a partir daí, ser municipalizado, ter novas PECs que possam levar à privatização ou não, mas aí tem a sociedade em cima, tem o Ministério Público acompanhando, para não permitir que isso aconteça. Então, eu vejo com bons olhos nesse primeiro momento, porque esses impostos passariam de ser destinados ao governo federal e seriam aportados nos municípios. E, se eu não me engano, de quilômetro em quilômetro é obrigatória a acessibilidade para a população de um modo geral a essas áreas de costeiras”, afirmou.
Defensores da PEC argumentam ainda, que ela acabaria com a cobrança da taxa de laudêmio (um percentual cobrado sobre transações de imóveis em áreas da União).
Já Juarez Lopes, engenheiro sanitarista e ex-secretário do Meio Ambiente de Cabo Frio, afirma que essa discussão é antiga e trata da ocupação do solo. “Eu sou contra pelo princípio da ocupação. A ocupação do solo ela tem que reger um princípio que é fundamental, ele tem que ser autossustentável. Então, eu sou contra por tudo que eu já ouvi, principalmente pela defesa dos técnicos, pela defesa dos cientistas, que são muito mais eloquentes dizendo do prejuízo que isso vai causar para todos nós. Estamos vendo aí coisas que há 30, 40 anos atrás a gente achava que era coisa de ambientalista, de eco-chato. E aí, as coisas estão aí. Como é que recupera o Estado do Rio Grande do Sul agora? Talvez se os eco-chatos tivessem sido ouvidos, o custo de recuperação fosse menor para o Estado brasileiro. Terrenos de marinha pra mim são bem públicos, e, portanto, quase sempre são de interesse público. Então, pra mim, qualquer terreno de marinha tinha que ter uma audiência pública no município pra ser definido o tipo de uso, mas só pode ter uso não gravoso. Parque, unidade científica de pesquisa científica, ocupação de esporte lazer”, disse.
Lucas Muller, representante da ONG de defesa ambiental Anhangá, já é mais radical. “A proposta de PEC só favorecerá o “grande empresário” (ou seja, a muitos criminosos ambientais em potencial), principalmente aquele que tem ânsia em lucrar em áreas de proteção permanente (APP), de biodiversidade única, e com menos ou quase nenhuma fiscalização num futuro possível. Na prática essa lei não favorece o próprio governo federal, que em tese deixará de arrecadar cerca R$ 200 bilhões com cessões dessas áreas hoje sob fiscalização; não favorece em nada o Meio Ambiente que agora passará a ter seu bioma destruído pela especulação imobiliária, haverá ainda a segregação social, uma vez que essas áreas de resorts e condomínios de luxo são para quem tem grande poder econômico. A classe média e baixa não terá mais acesso a essas áreas, a não ser que trabalhem com empregos/subempregos nesses empreendimentos”, afirmou.
Foi também o que ressaltou o deputado federal Túlio Gadêlha (REDE – PE) durante a audiência. “Mais da metade da população brasileira, 54,8%, vive perto do litoral aqui no país. São 111,2 milhões de pessoas, morando a uma distância máxima de 150 quilômetros da costa do mar. Privatizar os terrenos de marinha é aumentar a falta de acessibilidade às áreas litorâneas, é estimular a destruição da biodiversidade e colocar em risco a vida de milhões de pessoas. Deveríamos estar discutindo a adaptação das cidades e a mitigação dos efeitos da emergência climática. Em vez disso, senadores negacionistas querem aprovar a PEC 03/22, que agrava os eventos climáticos extremos, a exemplo do que acontece no Rio Grande do Sul”, completou nas redes sociais.
“Cancunização” do Brasil
Críticos alertam ainda, que a medida, junto com outras propostas, como a que legaliza jogos de azar, faz parte de um projeto de “cancunização” do Brasil, em referência à cidade mexicana conhecida pelo turismo desenfreado e sem controle ambiental.
A movimentação do senador Flávio Bolsonaro, do PL do Rio de Janeiro, para aprovar a proposta de emenda que dá margem à privatização de praias retoma uma ideia do governo de Jair Bolsonaro. Cobranças do então presidente para criar “Cancúns brasileiras” mobilizaram ministérios e fizeram o ministro da Economia da época defender a venda de praias, construção de resorts com participação até do jogados Neymar.
Mobilização
Diversas organizações ambientalistas e movimentos sociais estão engajados na luta pela proteção das praias brasileiras. Uma votação sobre ela está acontecendo através de uma consulta pública, para votar, basta clicar no link (aqui).