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Mães lutam na Justiça por direito a apartamento em condomínio popular de Araruama

Mulheres vivem com os filhos em condições precárias e, segundo denúncia ao Ministério Público Federal, estavam na lista de contempladas, mas não receberam o apartamento. Episódio do governo Lívia de Chiquinho é conhecido como “Farra do Minha Casa, Minha Vida”

Em 2019, foi apresentada uma denúncia ao Ministério Público Federal de que pessoas contempladas pelo condominio Dolce Vita, do programa Minha Casa, Minha Vida, no bairro Areal, em Araruama, haviam sido preteridas em prol de escolhidos pela prefeita, Lívia de Chiquinho (PP), e seus cabos eleitorais.

O episódio, conhecido como “Farra do Minha Casa, Minha Vida”, foi apresentado na Câmara Municipal e, além da denúncia protocolada no MPF, é alvo de uma ação popular.

Hoje em dia, mães, que vivem com seus filhos – alguns deles, com necessidades especiais – em condições precárias lutam na Justiça para reaver o direito que lhes foram tomados.

Eliana Monteiro Nazaré, conhecida como Nana, tem 49 anos e mora no bairro de Itatiquara em uma quitinete de três cômodos com o marido e o filho único. Francisco, o Netinho, tem 28 anos, foi diagnosticado no espectro autista e sofre de paralisia cerebral frontal e lateral.

Nas palavras da mãe, em tom de brincadeira, Netinho “só fala, canta, dança e faz pirraça”.

Eliana fez o cadastro para receber uma unidade no Minha Casa, Minha Vida há mais de seis anos, ainda no governo do ex-prefeito Miguel Jeovani. A ficha da mulher foi preenchida na secretaria de Política Social (Sepol), no Centro de Araruama, e enviada à época para a Caixa Econômica Federal, em Niterói.

Nana contou à reportagem que ia toda semana a Sepol buscar por atualizações sobre a situação dela. Chegando lá, era recebida sempre com a mesma resposta: “não saiu ainda, não”.

Após a mudança de governo, com a eleição de Lívia, Eliana voltou a verificar na Sepol sobre o caso, quando foi informada que não havia sido selecionada.

Alguns anos depois, através da irmã, Nana teve acesso a denúncia da vereadora Penha Bernardes (PL) e constatou que seu nome estava na lista emitida pela Caixa Econômica Federal.

O local humilde onde Eliana vive atualmente, em uma rua com postes sem energia elétrica, é uma herança do pai, que morreu em meio a esse período.

Eliana disse o que espera ao fim desse processo que se desenrola na Justiça.

“[Quero] o apartamento ou indenização referente ao valor do apartamento. Ter uma casa própria é o sonho que todo mundo tem. No seu nome, tudo direitinho”, afirmou Eliana.

A jovem Graziele dos Santos Sousa, de 28 anos, tem duas filhas. Ana Clara, de 10, e a Heloísa, de 4.

Graziele, que perdeu a mãe há 10 anos e o pai há quase 6, foi demitida de uma padaria após pegar Covid-19. Atualmente, ela trabalha como freelancer em uma pizzaria aos fins de semana, ganhando R$50 por dia, e mora de favor em uma quitinete no bairro Boa Perna.

A filha de quatro anos tem bronquite e, por isso, Graziele precisou fazer alguns reparos na casinha em que mora, como a colocação de pisos, comprados de segunda mão com avarias e a instalação de uma janela que conseguiu através de doação.

“[Quero] ter meu cantinho para mim, para meus filhos. A gente nunca sabe o dia de amanhã. Eu paguei muito tempo de aluguel e agora estou aqui”, disse Graziele.

A jornada de Graziele no Minha Casa, Minha Vida, já completou a primeira década. Ela contou à reportagem que fez a entrevista quando a filha mais velha ainda era bebê, em 2011, no CRAS do Mutirão.

Na época, ela foi informada pela Sepol que ainda não havia apartamento disponível e o governo ainda estava em busca de terrenos para construir os condomínios do programa em Araruama.

Ao longo dos anos, Graziele continuou sua peregrinação e ia, religiosamente, verificar o andamento de sua inscrição junto à Sepol. Ela alega ter sofrido com o “jogo de empurra” entre Prefeitura e Caixa Econômica Federal.

“A Prefeitura joga a gente como peteca, joga pra lá, pra cá, como se a gente não fosse nada”, lamentou a mulher.

Histórias como as de Eliana e Graziele são corriqueiras em meio às vítimas dessa suposta fraude na escolha de contemplados para o programa do Governo Federal. Pelo menos, 66 nomes delas estão relacionadas na Ação Popular.

Outra mulher que teria sido vítima dessa preterição foi Patrícia Pereira da Silva Ferreira, de 39 anos e mãe de quatro filhos. Morando em uma casinha própria, o banheiro dela caiu durante uma forte chuva que atingiu a cidade há alguns meses.

Patrícia procurou a Sepol e recebeu, por três meses, um aluguel social da Prefeitura. Com o corte do benefício, ela voltou à secretaria e pediu auxílio para reconstruir o banheiro de sua casa.

A Prefeitura prometeu o material. Mas, na quarta passada, quando foi na Sepol, que passou por uma troca de comando recentemente, uma assistente social teria falado à Patrícia que tinha que procurar o antigo titular da pasta, José Domingues Eurico, o Zezinho, atual secretário de de Ambiente, Agricultura, Abastecimento e Pesca.

Em off, um funcionário teria falado que a mudança de postura da Prefeitura se deu após a divulgação de um vídeo nas redes sociais (disponível abaixo) mostrando a situação calamitosa vivida por Patrícia.

Ação Popular

A reportagem teve acesso a ação popular de 144 páginas com um relatório completo sobre toda a situação. O documento coloca como réus a prefeita, outras duas pessoas, o município de Araruama e a Caixa Econômica Federal.

Os contemplados pelo programa suspeitos de irregularidades foram separados no documento em 36 categorias.

Estão relacionados na lista funcionários e parentes da prefeita de Araruama, Lívia Soares Bello da Silva, de ex-secretário da Sepol e vereador na época, cabos eleitorais e funcionários públicos do município.

Pelo menos, 107 dos 288 apartamentos do condomínio Dolce Vita teriam sido entregues para esse tipo de indicação.

Segundo a relação, Maurício Melo, ex-vereador e ex-titular da SEPOL, por exemplo, fez cinco indicações. Entre elas, sua ex-mulher e duas filhas, sendo uma de criação.

Carlos Alberto Siqueira da Silva, o Russo, vereador da base de Lívia, que está no 3º mandato e é pré-candidato a deputado federal também está relacionado na lista, com nove contemplados que teria indicado.

Outro vereador com mandato atualmente, José Magno Martins, o Magno Dheco, foi citado no documento como responsável por uma indicação.

Já o então secretário de Ambiente, Agricultura, Abastecimento e Pesca, Cláudio Barreto, que passou a responder pela secretaria de Obras neste ano, teria indicado o sogro, pai da atualmente vereadora Roberta Barreto que é empresário, para ser o proprietário de uma das unidades do conjunto habitacional popular.

O que dizem os citados

A Prefeitura de Araruama foi questionada pela reportagem sobre as indicações que teriam sido feitas diretamente pela prefeita, pela mudança na lista de contemplados, pelo tratamento dado na Sepol à população e pela situação específica ocorrida com Patrícia.

Ignorando parte do questionamento, o município classificou as informações como “invencionices” por parte de “quem inadvertidamente usou da Justiça como meio político para denegrir a imagem da governante maior”.

Segundo a Prefeitura, “a seleção dos beneficiados pelo programa Minha casa Minha Vida é promovida exclusivamente pela Caixa Econômica Federal, a quem compete verificar se o pretendente preenche ou não os requisitos estabelecidos para o programa”.

O município complementa que “tudo [foi] realizado de acordo com o Programa Nacional de Habilitação Urbana, seguindo as regras do Sistema Nacional de Cadastro Habitacional”.

“De outro lado, imperioso salientar também que pelo fato da matéria estar sendo apreciada pelo judiciário, a quem foi fornecido todas as justificativas e explicações e as quais serão analisadas, não compete ao município tecer maiores comentários”, concluiu a nota da Prefeitura.

A Caixa Econômica Federal, de certa forma, desmentiu a afirmação da Prefeitura em nota enviada ao Portal. De acordo com o banco, “a indicação dos candidatos aos empreendimentos do PMCMV-FAR é exclusiva do Ente Público,  que no ato da contratação da operação se responsabiliza pela seleção dos beneficiários e  apresentação da relação à instituição financeira ou agente financeiro contratante“.

“Além dos critérios estabelecidos na Lei 11.977/2009, os estados, municípios e Distrito Federal poderão fixar outros critérios de seleção de beneficiários do PMCMV, previamente aprovados pelos respectivos conselhos locais de habitação, quando existentes, e em conformidade com as respectivas políticas habitacionais e as regras estabelecidas pelo Poder Executivo Federal”, disse a nota.

A CAIXA informou que o Residencial Dolce Vita foi contratado em 30/11/2012 no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida com término de obra em 01/03/2018 e entregue aos beneficiários em outubro de 2018.

Denúncias de ocupação irregular, venda, aluguel, invasão ou abandono do imóvel podem ser registradas gratuitamente por meio do canal SAC da Caixa, pelo endereço www.caixa.gov.br e pelos telefones 0800726 0101 – SAC, 4004 0104 (capitais e regiões metropolitanas) e 0800 104 0104 (demais localidades).

Apontado como responsável por uma indicação para o programa habitacional, o parlamentar Magno Dheco foi procurado para se posicionar por um aplicativo de mensagens, mas disse que apenas daria um posicionamento pessoalmente.

O secretário de Obras de Araruama e ex-titular da pasta de Ambiente, Agricultura, Abastecimento e Pesca, Cláudio Barreto, afirmou que não indicou ninguém para o programa.

A reportagem procurou, pelas redes sociais, o ex-secretário de Política Social de Araruama Maurício Melo e o vereador Russo, mas não tivemos resposta.

Procuramos também a advogada responsável pela Ação Popular movida pelas vítimas da suposta fraude, Dra Karina Afonso, para saber o encaminhamento da ação na Justiça.

“Ajuizamos a ação instruída com um forte dossiê e pedimos a exibição de outros documentos, especialmente que estão de posse da Caixa Econômica”, afirmou.

“Alguns réus já apresentaram suas defesas. Estamos conduzindo com muito cuidado, cientes também da atuação zelosa e rigorosa da Procuradoria da República”, concluiu.

Sobre a ação protocolada no Ministério Público Federal (MPF), o procurador da República de São Pedro da Aldeia, Dr. Leandro Mitidieri Figueiredo, disse que não tinha “nada a informar sobre essa questão no momento”.

Fonte: Portal O Dia
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