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Número de pessoas em situação de rua em Cabo Frio preocupa e levanta questões sociais

A prefeitura afirma que, entre janeiro e abril, o CREAS registrou 84 pessoas em situação de vulnerabilidade extrema, o que representa apenas 0,039% dos moradores. Quem atua para ajudar este público acredita que, na verdade, o número é muito maior

Entre 2021 e 2022, o Brasil registrou um aumento de aproximadamente 21% na população em situação de rua, saltando de 232 mil para 281 mil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Destes, 151 mil residem na região Sudeste. Na cidade de Cabo Frio, em 2023, o Centro de Referência de Assistência Social (CREAS) registrou, entre janeiro e abril, 84 pessoas em situação de vulnerabilidade extrema no município, que, atualmente, conta com 215 mil moradores. Ou seja, o número apresentado seria 0,039% da população. Contudo, quem atua para ajudar este público acredita que, na verdade, o número é muito maior.

O Coletivo Abrace, associação com ações voltadas para a população em situação de rua e vulnerabilidade social em Cabo Frio, atende, atualmente, cerca de 81 pessoas e entregando diariamente 200 quentinhas. O trabalho do grupo, que não conta com contribuições da prefeitura, acontece no Centro, Rodoviária São Cristóvão, Guarani e Manoel Corrêa. Justamente por esse motivo, os participantes acreditam que o dado passado pela prefeitura não corresponda à realidade. “Não é verdade. Nem nós temos esse número total, uma vez que ainda não tivemos estrutura para atravessar a ponte, onde a pobreza é realmente assustadora”, disse Andrea Amaral, diretora do projeto.

Andar pelas ruas de Cabo Frio e encontrar indivíduos dormindo embaixo de toldos e marquises, infelizmente, se tornou uma situação comum. Independente do horário ou local, a presença de pessoas em situação de vulnerabilidade é algo marcante no município. No último sábado (13), um registro feito no Festival do Choro, na orla do Canal Itajuru, ilustra bem a situação: enquanto o evento promovido pela prefeitura seguia acontecendo normalmente, um homem foi flagrado dormindo debaixo de uma árvore, coberto por lençóis e sacolas de lixo.

Muitas pessoas se indignaram com a cena e se perguntaram o motivo de nenhuma autoridade agir para ajudá-lo. Outro questionamento pertinente levantado é que se, em 2023, a cidade está trabalhando com um orçamento estimado de R$ 1.235.011.100, não sobra nenhuma quantia a ser destinada a este público?

Diante de situações como esta, a Assistência Social da cidade afirma que “oferece serviços que visam garantir direitos às pessoas em situação de rua, sendo os mais comuns abrigamento, alimentação e higienização; acesso à saúde e a emissão de documentos, além do benefício de auxílio viagem para retorno à cidade de origem para aqueles que desejam. Contudo, não ‘retira pessoas das ruas’, já que o direito de ir e vir é inerente a todo cidadão, além de ser constitucional”.

Entretanto, como construir moradia nas ruas infringe as regras, a população pode ser advertida. De acordo com a Guarda Municipal, em apenas cinco meses, foram realizadas 18 ações após denúncias de habitações ilegais pela cidade. Nestas, cerca de 25 a 30 pessoas foram notificadas. Contudo, o número poderia ser ainda maior, já que, segundo a GM, ao perceberem a chegada dos agentes, muitos indivíduos que estavam no local acabam fugindo. A estimativa é que, se isso não acontecesse, cerca de 50 pessoas teriam sido abordadas.

Em relação à abordagem da Guarda Municipal, a diretora do Coletivo Abrace afirma que os agentes têm se portado de modo agressivo, recolhendo, inclusive, os pertences das pessoas e jogando-os no lixo. Sobre a acusação, a GM afirmou o seguinte: “Na verdade, o que a guarda faz é solicitar que as pessoas em situação de rua liberem o espaço público. (…) Ela pode estar no espaço público, ninguém é proibido de deitar, o que ela não pode é montar acampamento. (…) Eles são orientados e às vezes saem, outras vezes não, e deixam resto de portão velho, fogareiro velho, resto de cadeira. Esse tipo de equipamento (…) a gente passa e recolhe (…)”.

Após a abordagem, as pessoas são orientadas a buscarem as casas de acolhimento da cidade, sendo a Casa de Passagem, que conta com 28 vagas e atende homens, mulheres e grupos familiares, e o Centro de Acolhimento, com 25 vagas femininas. Inclusive, Andrea Amaral, diretora do Coletivo Abrace, afirma que estes dois locais foram dados como justificativa para que o projeto, que já tem três anos, não recebesse qualquer apoio da prefeitura.

“No início, tentamos uma aproximação, porém, os argumentos eram de que existem duas casas de acolhimento, que estas fazem um excelente trabalho e, por isso, acabou nos afastando porque não condiz com a realidade. Contudo, as casas de acolhimento possuem regras muito restritivas e deixam de fora a maioria dos ‘PopRua’ que ainda são dependentes químicos e não estão prontos para tratamento, mas precisam de cuidados, atenção e apoio”, explicou Andrea.

Outra questão é o fato de que existem mais pessoas em situação de rua na cidade do que vagas nas casas de acolhimento. Além disso, vale salientar que, em um dos locais, a estadia é voltada apenas para mulheres, sendo que entidades de direitos humanos apontam que entre 80% e 85% deste público é composto por homens.

Já aquelas que são acolhidas, de acordo com a prefeitura, recebem apoio do Centro de Referência de Assistência Social (CREAS), que é o serviço especializado em identificar famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social em espaços públicos (situação de rua). A equipe, inclusive, afirma que não registrou aumento no número de pessoas nesta condição, pelo contrário.

“De janeiro a abril deste ano, a equipe do CREAS registrou média de 84 pessoas em situação de vulnerabilidade extrema no município. Enquanto que, no mesmo período do ano passado, foram 109 registros. Destaca-se ainda que, devido à transitoriedade dessa população, esse número não representa a quantidade fixa de pessoas em situação de rua”.

Opinião profissional

Mirella Sampaio trabalha na secretaria de saúde de São Pedro da Saúde e atua como assistente social no Abrigo Municipal de crianças e adolescentes de Rio das Ostras. Ao ser questionada sobre o aumento da população de rua na região, declarou que um dos fatores que contribuiu para o crescimento foi a pandemia de Covid-19.

Confira a entrevista:

“Até então, já existia um número elevado de pessoas nessas condições, que eram resultado da desigualdade social, falta de acesso a empregos, abuso de drogas, e dificuldades de acesso aos direitos sociais. No entanto, a pandemia agravou a situação, pois muitas pessoas perderam o pouco que tinham, principalmente em relação ao trabalho. Isso desencadeou uma série de outras perdas, como moradia, alimentação, entre outras.

Observamos um grande número de pessoas que não conseguiram retornar aos seus postos de trabalho. A questão do desemprego vem diminuindo aos poucos, mas ainda hoje sentimos esse impacto nas relações sociais, então estamos lidando com um público crescente.

Muitas questões sociais estão relacionadas a essa situação específica da população em situação de rua e à dificuldade de se reorganizar e de ter acesso aos direitos sociais, principalmente após a pandemia de Covid-19. Agora, é preciso trabalhar essas questões.

Existem centros de referência especializados em assistência social, como o CREAS, que precisam estar presentes para fazer o acolhimento e a abordagem a essas pessoas em situação de rua, tentando esclarecer os reais motivos para que elas estejam nessa situação. Algumas situações específicas podem ser conduzidas pela equipe técnica do CREAS, que muitas vezes consegue devolver a essas pessoas a documentação, inseri-las no mercado de trabalho, restabelecer o contato com familiares, enfim, viabilizar a solução da situação que levou à ida para a rua.

Muitas situações podem ser resolvidas com essa abordagem qualificada, que envolve acolhimento, escuta humanizada e preocupação com a questão dos direitos sociais. Existem também em alguns municípios as chamadas casas de passagem, onde a pessoa em situação de rua pode ser recebida, pernoitar, receber alimentação, fazer higiene pessoal, etc. Porém, nem todas as pessoas que estão em situação de rua aceitam estar nesses ambientes, então isso também é uma questão que precisa ser trabalhada com eles.

É um serviço público para que possam ser ouvidos, acolhidos e a partir daí terem suas demandas priorizadas para o encaminhamento e a solução dessa situação”.

Graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Veiga de Almeida e pós-graduanda em Assessoria de Imprensa, Jornalismo Estratégico e Gestão de Crises pela Universidade Castelo Branco.

Já atuou como apresentadora na Jovem TV Notícias, em 2021. Escreve pelo Portal RC24h há três anos e atua, desde julho de 2022, como repórter do Jornal Razão, de Santa Catarina.

É autora publicada, com duas obras de romance e mais de 500 mil acessos nas plataformas digitais.

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