O verão nem começou, mas os temporais já chegaram e, com eles, fenômenos que chamam a atenção de meteorologistas. A causa do temporal que atingiu diversos pontos do estado do Rio de Janeiro, inclusive a Região dos Lagos, na segunda-feira (16), foi a mãe de todas as nuvens, uma supercélula, verdadeira máquina de mau tempo. Ela gera vento e chuva fortes, granizo e, às vezes, tornados, mas não são frequentes no estado e, menos ainda, na segunda quinzena de dezembro.
Ernani Nascimento, um dos maiores especialistas do país em tempo severo e professor de meteorologia da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, destaca que a ocorrência do fenômeno em terras fluminenses e a época do ano chamam a atenção.
Nascimento ainda ressalva que não se pode atribuir esse caso isolado a mudanças climáticas, mas frisa que não dá para ignorar que se trata de algo incomum. “Certamente esse caso será estudado, chamou bastante a atenção dos meteorologistas”, disse ao jornal O GLOBO.
As supercélulas são nuvens de tempestade gigantescas que apresentam rotação. Elas giram em torno de um eixo vertical, o que lhes dá a aparência apocalíptica de disco voador ou funil colossal, com uma base escura (quanto mais escura, mais água carrega a nuvem). Em geral, são formadas por uma única nuvem principal, embora outras nuvens menores possam se agrupar junto à estrutura principal, como se fossem espaçonaves junto à nave-mãe.
Também são as tempestades convectivas (originadas do movimento do ar quente para cima, típicas de dias quentes) mais intensas e raras, além de terem grande poder destrutivo.
Nascimento explica que no estado do Rio é relativamente raro haver supercélulas porque é preciso uma combinação de condições atmosféricas específica e fora do padrão climático do estado.
Elas são resultado de muita umidade e instabilidade e o que se chama de cisalhamento vertical do vento. Esse é o nome dado quando à situação em que o vento em diferentes altitudes sopra em direções ou velocidades distintas.
É o cisalhamento que cria as condições para que o vento no interior da nuvem comece a girar, como se fosse um motor. A meteorologia chama essa coluna giratória no interior da nuvem de mesociclone e ele é a alma de uma supercélula. É a rotação que dá à supercélula sua força e organização para gerar ventos e chuvas destrutivos, granizo e mesmo tornados.
O mesociclone cria fluxos separados de ar. Um quente e úmido; e o outro frio e seco. O primeiro sobe e alimenta a tempestade. Quanto mais calor puxa, mais combustível a tormenta ganha.
Já nas camadas mais altas, o mesociclone organiza correntes de ar que descem em direção à superfície e trazem consigo ventos destrutivos, granizo e eventualmente tornados.
Em vez de o ar quente e o ar frio se misturarem rapidamente (o que enfraqueceria a tempestade), o mesociclone mantém esses fluxos separados, permitindo que a tempestade dure mais.
Nas regiões tropicais há muita umidade e instabilidade, mas não há muito cisalhamento. Já nas latitudes mais altas, mais próximas dos polos, há cisalhamento, mas falta instabilidade.
Nascimento diz que a combinação desses fatores é mais comum no meio do caminho. Isto é, nas latitudes médias, regiões subtropicais. Na América do Sul, isso ocorre no Sul do Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai.
O Rio de Janeiro fica bem na região de transição de tropical para subtropical. Costuma ter umidade e instabilidade. Mas o cisalhamento é mais raro.
“Mas ocasionalmente essa combinação acontece. Estava razoavelmente previsto que havia risco de tempestades severas, inclusive supercélulas”, disse o cientista, referindo-se ao boletim da Plataforma de Registros e Rede Voluntária de Observadores de Tempestades Severas (Prevots), que havia previsto risco para todo o estado do Rio.
A época do ano também chama a atenção do especialista. Isso porque para haver cisalhamento é preciso existir contraste de massas de ar frio e quente e isso é mais frequente nas estações de transição, no auge do outono e da primavera.
“E agora estamos praticamente no verão. Por isso, se trata de uma situação bem fora do comum, uma condição no Rio de Janeiro de contraste de massas de ar”, acrescenta.
Carioca, Nascimento conta que essa foi a primeira vez que precisou alertar a sua família, que mora no Rio. “Considerei necessário advertir minha família no Rio para a aproximação de uma supercélula.”