Um relatório reservado produzido pelo setor de inteligência da Polícia Militar do Rio de Janeiro revela um panorama preocupante sobre o domínio territorial de grupos criminosos no estado. Segundo o documento, apenas 15 dos 92 municípios fluminenses seguem sem o controle consolidado de facções ou milícias – número que ajuda a dimensionar a dificuldade de atuação do poder público diante da expansão dessas organizações.
O estudo mapeou 1.648 territórios e identificou que 62,8% deles (1.036 áreas) estão sob domínio do Comando Vermelho (CV). O Terceiro Comando Puro (TCP) controla 340 territórios (20,6%), enquanto as milícias dominam 229 (13,9%). Já o grupo Amigos dos Amigos (ADA) aparece com 43 áreas (2,6%). O relatório, atualizado gradualmente, só incorpora regiões onde o domínio criminoso está consolidado – o que significa que, mesmo diante de disputas ou ocupações recentes, alguns locais ainda não aparecem oficialmente no levantamento.
Região dos Lagos sob influência quase total
Uma das constatações mais marcantes é a abrangência do domínio criminoso na Região dos Lagos. Araruama, Cabo Frio, Arraial do Cabo, Búzios, Iguaba Grande, Saquarema, São Pedro da Aldeia e Rio das Ostras aparecem com áreas controladas por facções, deixando Casimiro de Abreu e Silva Jardim como as duas únicas cidades da região fora da lista.
A presença criminosa nessas localidades – conhecidas pela vocação turística e grande circulação de visitantes – indica um avanço para além dos grandes centros urbanos e reforça a diversificação territorial das facções.
Mudança no perfil das facções e avanço econômico
O secretário de Polícia Civil do Rio, Felipe Curi, avalia que a desmobilização das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) contribuiu para que grupos criminosos se espalhassem pelo estado. Antes concentrado na capital, o tráfico migrou para cidades médias e pequenas, ocupando regiões que historicamente se mantinham estáveis.
Curi explica que o Comando Vermelho diversificou suas fontes de renda: o tráfico de drogas, segundo ele, representa apenas 10% a 15% do faturamento da facção. Hoje, há exploração econômica direta sobre serviços – prática tradicionalmente ligada às milícias – incluindo cobrança por gás, internet, transporte alternativo, fornecimento clandestino de energia e extorsões de comerciantes.
Esse modelo de negócios amplia o impacto das facções sobre a vida cotidiana de moradores, criando dependência forçada e dificultando a dinâmica econômica legal.
Pequenos municípios sentem a pressão
Cidades de pequeno porte que ainda estão fora do domínio consolidado – como Paulo de Frontin, no Centro-Sul Fluminense – já relatam sinais de aproximação de criminosos vindos de municípios vizinhos. Moradores descrevem o aumento de furtos, presença de pessoas armadas e a mudança sutil, porém constante, na rotina local.
Apesar disso, a cidade segue oficialmente fora do mapeamento de domínio, graças à atuação rápida de policiais residentes na própria região, que evitam a fixação de criminosos em bairros mais afastados.
Crescimento contínuo do CV
Para o pesquisador Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF, o Comando Vermelho tem mostrado um crescimento constante ao longo dos anos, especialmente no Leste Fluminense e na Região Metropolitana.
Ele ressalta que disputas na Zona Oeste – historicamente controlada por milícias – não têm desfecho previsível, por se tratar de áreas onde esses grupos se consolidaram há décadas.
O subsecretário de Inteligência da PM, coronel Uirá do Nascimento Ferreira, reconhece a gravidade da situação, mas afirma ser possível reverter o cenário com planejamento, integração entre forças de segurança e uso intensivo de inteligência. Para ele, a consolidação do domínio criminoso não é definitiva e pode ser revista com operações estruturadas.
Enquanto isso, o relatório reforça o alerta sobre a necessidade de políticas de segurança pública que ultrapassem a lógica das ações pontuais e considerem o impacto econômico, social e territorial das facções – especialmente em regiões turísticas e municípios de pequeno porte que, até pouco tempo atrás, estavam longe dessa realidade.
As 15 cidades onde não há domínio consolidado
De acordo com o relatório, apenas os seguintes municípios seguem fora do controle de facções ou milícias:
- São José do Vale do Rio Preto – Região Serrana
- Casimiro de Abreu – Região dos Lagos
- Silva Jardim – Região dos Lagos
- Mendes – Centro-Sul Fluminense
- Pinheiral – Sul Fluminense
- Rio das Flores – Centro-Sul Fluminense
- Sapucaia – Centro-Sul Fluminense
- Carapebus – Norte Fluminense
- Cardoso Moreira – Norte Fluminense
- Quissamã – Norte Fluminense
- Cambuci – Noroeste Fluminense
- Italva – Noroeste Fluminense
- Carmo – Região Serrana
- Sumidouro – Região Serrana
- São Sebastião do Alto – Região Serrana
Pós-graduada em Jornalismo Investigativo pela Universidade Anhembi Morumbi; e graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Veiga de Almeida.
Atuou como produtora/repórter na Lagos TV, Coordenadora de Programação na InterTV - Afiliada da Rede Globo, apresentadora na Rádio Costa do Sol FM e editora no Blog Cutback. É repórter no Portal RC24h desde 2016 e coordenadora de reportagem desde 2023, além de ser repórter colaboradora no jornal O Dia/Meia Hora. Também é criadora de conteúdo para a Web 3.0 na Hive.
Vencedora do 3º Prêmio Prolagos de Jornalismo Ambiental, na categoria web.






