O Projeto IDE, que por mais de duas décadas foi uma igreja relevante no Parque Burle, em Cabo Frio, está no centro de uma grande polêmica, envolvendo graves acusações. Uma crise iniciada em 2022, que está novamente vindo à tona, expôs uma série de problemas internos que culminaram no fechamento da igreja, marcado por denúncias de má gestão financeira, enriquecimento ilícito, abuso religioso e psicológico.
Depois de brigas, litígio e muitas denúncias feita por membros ao então presbitério, foram encerradas as atividades do local, a igreja como instituição, faliu. Com isso, os membros foram colocados pra fora, mas a propriedade de vários bens que foram conquistados com a contribuição deles, continuou nas mãos do pastor responsável.
O principal nome citado nas acusações é o pastor Samuel Bello, que liderou o Projeto IDE durante anos, inclusive no ano em que ocorreu o fechamento.
“Esse pastor desviou muita grana. Colocou todo patrimônio da igreja em seu nome. Não é uma questão simples casual de uma igreja qualquer, trata-se de mais de duas décadas de abuso religioso, famílias destruídas”, disse um dos membros.
Entre os bens da igreja estão imóveis em Cabo Frio, no distrito de Sana, em Macaé e na Bahia, além de veículos como um ônibus e uma van. Uma das casas da Bahia, avaliada em R$ 800 mil, foi registrado em nome de um membro do IDE e está à venda, segundo relatos.
Relatos de abuso psicológico e manipulação religiosa
Além das irregularidades financeiras, ex-membros denunciam práticas abusivas dentro da liderança do Projeto IDE. Fiéis relatam ter sofrido manipulação emocional, discriminação e até mesmo assédio. “Por anos fui discriminado sem motivo. Fui assediado pelo meu líder, e ele ainda me acusou de algo que não cometi”, relatou um ex-integrante. “Fui exposto e feito por mentiroso e abusador! Detalhe que outros 3 meninos também foram acusados de terem feito o mesmo com o mesmo líder!!! Será q todos nós somos culpados? Ou fomos vítimas do cinismo do líder???”, completou.
Outros depoimentos destacam práticas de controle psicológico, como líderes que afastavam membros de suas famílias sob o discurso de “somos uma família espiritual”. Há também relatos de mulheres que foram manipuladas a “esperar pela vontade de Deus” para se casar, resultando em perdas irreparáveis, como a impossibilidade de ter filhos.
“Quando se toca nesse assunto, há muita revolta e indignação, não só pelo simples fato do ganho ilícito de dinheiro, é muito além, é muita coisa envolvida. Liderança legalistas, liderança narcisista, liderança controladoras, liderança mentirosas. Amizades falsas, um povo invejoso, oportunistas, onde éramos usados e feito de palhaços. Liderança maliciosas, pessoas que sentavam na sua mesa e conseguiam inverter uma situação, conseguiam colocar toda a culpa em cima de você e tinham a capacidade de colocar marido contra esposa, pais contra filhos, te afastavam de sua família de sangue, com simples discurso de que ‘somos família’, ‘amigos mais chegado que irmãos’. Discipulado abusivo, com aquele papo de Pai e Mãe na fé, onde o discurso de construir vínculo era apenas para saber aonde era a sua fraqueza emocional e entrar e começar a te manipular. Só Deus sabe o que passei nesses últimos 5 anos”, diz outro relato.
Em um dos casos, uma mulher afirma que trabalhou para o pastor, mas não recebeu o pagamento por “indisciplina”.
Assembleias controversas e disputa pelo patrimônio
A utilização e venda de outros patrimônios estão sendo discutidas em assembleias convocadas por um conselho formado após o encerramento das atividades da igreja. Desde 2024, essas assembleias estão sendo realizadas para decidir o destino dos bens do PROIDE, que só poderão ser vendidos mediante autorização prévia dos participantes, mas a forma como essas reuniões são conduzidas tem gerado críticas. Ex-membros questionam a transparência desses encontros, que têm ocorrido em um hotel da cidade, sem ampla comunicação aos antigos participantes da congregação.
“Eles estão convidando apenas quem lhes interessa, excluindo muitos ex-membros”, afirmou um dos denunciantes.
Os bens da igreja em questão são, a princípio, o galpão onde aconteciam os cultos, a casa anexa ao galpão, que é a Proide Escola Cristã, a casa no distrito de Sana, em Macaé, duas casas na Bahia, um terreno ao lado da escola, um sítio em São Vicente, um ônibus, van e carro. Os fiéis afirmam que tem direito de saber o que será feito, já que contribuíram para a compra.
De acordo com o regimento interno, a extinção do PROIDE, só poderá ocorrer pela votação da maioria dos membros presentes e, em caso de dissolução, o destino do patrimônio deverá ser decidido na também na assembleia, que destinará o remanescente na forma da Lei. O próximo encontro está marcado para dia 30 de janeiro, às 19h30, no Epaço Lopes Festas, situado na Rua no Braga.
“O ideal seria que essas reuniões ocorressem no próprio galpão da igreja, com a participação de todos os membros, incluindo o pastor Samuel Bello”, argumentou um deles.
O advogado e estudante de teologia, especialista em processos de abuso religioso, Jeferson Brandão, vem acompanhando o caso. Para ele, essas reuniões não tem os requisitos legais para uma decisão tão importante.
“Essa assembleia que estão convocando, na minha opinião jurídica, não tem os requisitos legais para a convocação, sendo assim, qualquer decisão via a assembleia, não tem valor legal.
Não há nenhum impedimento legal para que os membros possam se reunião para apontar caminhos e soluções para esse grande problema que culminou no fechamento do PROIDE, entretanto, para resolver a questão, deve ser preenchido os fundamentos legais para que tudo possa ser feito da forma correta”, disse.
Ocupação do templo e repercussão negativa
Mesmo com esse imbróglio, o templo do PROIDE iria voltar a ser usado, desta vez pelo pastor Régison Marcos, que se desligou da Metodista Betel, no bairro São Cristóvão. O líder religioso anunciou em um vídeo em seu Instagram, na última terça-feira (14) a saída do ministério Metodista após 33 anos. No vídeo, ele afirmou que não teria nenhuma ligação com o pastor Samuel Bello. Mesmo assim, foi bastante criticado e ocultou os comentários nas redes sociais.
Os antigos membros do Projeto IDE, que ajudaram a construir o templo, questionaram quem deu a permissão para isso. Em momento algum a igreja foi ouvida e não há, por conta dos membros, aval para utilização do espaço para outros fins.
Diante da repercussão negativa e da oposição, ele decidiu recuar. “Os membros que ajudaram a construir o templo não foram consultados. Quem deu permissão para isso?”, questionou um dos membros.
Investigações em andamento
Denúncias formais foram registradas no Ministério Público e na Polícia Civil de Cabo Frio, incluindo acusações de falsidade ideológica e apropriação de bens pelo pastor Samuel Bello. Documentos já foram apresentados às autoridades para apuração e há expectativa de que os bens dele sejam bloqueados.
Conforme análise de Jeferson Brandão, que vem acompanhando o caso, esse tipo de ação tem o mesmo ‘modus operandi’.
“Depois de eu receber inúmeras reclamações e denúncias sobre abusos religiosos, financeiros, morais e até assédios, eu resolvi estender a minha linha de atuação jurídica, para denunciar e defender, vítimas desses abusos. O processo é sempre o mesmo, essas pessoas são alcançadas em um momento de vulnerabilidade da vida, são socorridas e passam por um processo de integração a instituição religiosa, e em algumas dessas instituições, sentindo-se proprietárias dessas pessoas, não permitem que elas tenham independência, sendo que a partir desse momento, os abusos começam. Temos que continuar debatendo esse importante assunto que gera prejuízos, morais, psicológicos, financeiros, dentre outros.”
Confira outros vídeos onde ele aborda o fim do Projeto IDE:
Procurado, o pastor Samuel Bello não se pronunciou.
*Membros preferem não se identificar.