Um levantamento exclusivo realizado pelo Fantástico revelou informações alarmantes sobre as pirâmides financeiras no Brasil e o Faraó dos Bitcoin, Glaidson Acácio dos Santos. Nos últimos seis anos, esses golpes prejudicaram mais de 2,7 milhões de investidores, resultando em um movimento financeiro de quase R$ 100 bilhões. O que torna essa situação ainda mais preocupante é o uso crescente das criptomoedas como isca para atrair vítimas.
Entre os lesados, destacam-se pessoas como Acelino Popó, um campeão mundial de boxe, e Dona Maria, que investiram respectivamente R$ 1,2 milhão e R$ 97 mil na empresa Braiscompany, apenas para verem os sonhos desmoronarem quando os proprietários da empresa desapareceram. Outro exemplo notório é Renan Bastos, da FX Winning, que movimentou R$ 2 bilhões e agora reside nos Estados Unidos, enquanto os credores no Brasil buscam recuperar seus investimentos.
No ranking das pirâmides financeiras mais prejudiciais, a empresa Trust Investing se destaca, deixando mais de 1,3 milhão de pessoas em todo o mundo no prejuízo, com perdas acumuladas de mais de R$ 4,1 bilhões. Enquanto alguns acusados foram presos, como Patrick Abrahão da Trust Investing, muitas vítimas ainda não recuperaram os investimentos.
Uma das empresas mais notórias nesse cenário foi a GAS, que movimentou incríveis R$ 38 bilhões, tornando o proprietário, Glaidson dos Santos, conhecido como o “faraó dos bitcoins”. Glaidson enfrenta não apenas acusações financeiras, mas também é réu em um caso de assassinato de um influenciador digital ligado ao mercado de criptomoedas.
Enquanto as investigações continuam, a regulamentação do mercado de criptomoedas pelo Banco Central é aguardada para conter esses crimes financeiros que continuam a prejudicar milhares de brasileiros.
A atuação das pirâmides financeiras com criptomoedas no Brasil levou à abertura de uma CPI na Câmara dos Deputados, que está investigando esses esquemas. A legislação atual reconhece os ativos digitais, mas precisa de regulamentação para responsabilizar os intermediários e prestadores de serviços.
Enquanto a CPI continua com as investigações, fica claro que as autoridades precisam estar atentas às novas táticas dos golpistas, que agora estão criando pirâmides de curto prazo para evitar a atenção dos reguladores.
A lei também introduziu o crime de estelionato relacionado a criptoativos, mas a legislação pode precisar de atualização com base nas descobertas da CPI.
CONFIRA A REPORTAGEM NA ÍNTEGRA:
O Fantástico fez um levantamento inédito e exclusivo sobre as 20 empresas investigadas como pirâmides financeiras no Brasil.
Em seis anos, os golpistas deixaram no prejuízo pelo menos 2,7 milhões de investidores e movimentaram quase R$ 100 bilhões.
Milhões de investidores se deixaram seduzir por um dos golpes financeiros mais antigos na praça, as pirâmides, que passaram a usar como isca o que muita gente ainda não entende bem: as criptomoedas: moedas virtuais negociadas na internet.
Os casos se multiplicaram nos últimos anos, mesmo com operações policiais, apreensões, prisões.
O Fantástico ouviu investigadores da Polícia Federal, da Polícia Civil, do Ministério Público Federal, conversou com especialistas nesse crime e fez um levantamento exclusivo do número de vítimas e do volume de dinheiro envolvido nesses golpes de 2017 pra cá.
As promessas de lucros exorbitantes foram a armadilha. A garantia de não correr riscos, uma farsa. Nas redes sociais, vídeos que arquitetavam a ação:
“Ei, pobre, sabe por que você não é rico? Porque não tem consciência de quem é. A minha mente é milionária, por isso que me tornei milionário. Olha no meu olho e vê se eu tenho dúvida do que eu tô construindo”, mostrava outro vídeo.
“A forma que o cara olhava, as lives que ele fazia todo dia, o poder de convencimento que esse cara tinha, que a coisa era real”, conta Acelino Popó, campeão mundial de boxe, uma das vítimas.
“Meu filho, eu entrei em depressão. Ajuntei com a minha família, pra botar tudo lá pra gente realizar o sonho”, diz Dona Maria, outra vítima.
Popó e dona Maria tiveram perdas financeiras com a empresa Braiscompany. Popó colocou R$ 1,2 milhão; dona Maria, R$ 97 mil. E enquanto vítimas começam a aparecer, o dono da Braiscompany, Antônio Neto e a esposa, Fabrícia Campos, sumiram.
Outro dono de ‘pirâmide’
O Fantástico conseguiu localizar onde está o dono de outra pirâmide. Renan Bastos, da FX Winning, que movimentou R$ 2 bilhões e vive nos Estados Unidos.
Ele chegou a morar em um apartamento em Miami – em um anúncio na internet, o aluguel de um apartamento de 300 metros no mesmo condomínio custa em torno de 40 mil dólares por mês – no câmbio de hoje. R$ 200 mil.
Nas redes sociais, Renan Bastos mostra que continua desfrutando a vida, com gastos milionários que pagam muito luxo e extravagâncias. No Brasil, credores cobram, na Justiça, o calote dado por ele – apenas numa ação coletiva, no Tribunal de Justiça de Goiás, investidores pedem que Renan Bastos devolva R$ 100 milhões.
Ranking criminoso
No ranking criminoso, elaborado pelo Fantástico com informações oficiais, a empresa que deixou o maior rastro de vítimas foi a Trust Investing.
1 milhão e 300 mil pessoas, não só no Brasil, mas em 80 países
Prejuízo acumulado das vítimas só desta pirâmide passa dos R$ 4,1 bilhões
Patrick Abrahão se apresentava como líder da empresa, mas nega ser um dos donos.
“Eles alegam que eu sou sócio da Trust. Todo mundo que me acompanha sabe que eu nunca fui sócio, eu sempre fui um investidor”, diz.
Ele foi preso em outubro de 2022 e solto no mês passado. As vítimas da Trust não recuperaram nenhum centavo ainda.
“A atuação do Patrick era direta. O Patrick recebia dinheiro em conta pessoal dele dos investidores. A Polícia Federal não tem outro entendimento que a que a participação total do Patrick até porque foi denunciado também existe outros elementos de prova como quebra de sigilo bancário e fiscal em cima dele”, diz Marcelo Mascarenhas, delegado da Polícia Federal.
Na lista das empresas consideradas pirâmides financeiras, a que movimentou mais dinheiro foi a GAS.
Foram R$ 38 bilhões
Volume movimentado é tão grande que o dono ficou conhecido como o faraó dos bitcoins.
Glaidson dos Santos está preso, mas não apenas por crimes financeiros. Ele responde na Justiça pelo assassinato do investidor em criptomoeda e influenciador digital Wesley Pessano, de 19 anos.
O Ministério Público Estadual do Rio diz que o crime foi uma forma de eliminar concorrentes. Glaidson também acusado de mandar matar Patrick Abrahão, da Trust Investing.
Nas investigações a que o Fantástico teve acesso, a Polícia Federal encontrou conversas onde Glaidson planejava matar o concorrente.
Investigação
A Câmara dos Deputados abriu uma CPI pra investigar a atuação das pirâmides financeiras com criptomoedas no Brasil. O presidente da Comissão é o deputado Aureo Ribeiro, do Solidariedade do Rio.
“A gente teve a oportunidade de escutar seus representantes, trabalhadores dessas empresas e ter clareza do que elas ofereceram aos clientes, como se dava a operação e o que se tornou as pirâmides quando as pirâmides não conseguiram mais pagar e devolver aos seus clientes os lucros prometidos”, relata Aureo Ribeiro.
Glaidson e Patrick foram ouvidos pela CPI. O dono da GAS afirmou que teria dinheiro pra devolver aos investidores, o que foi recebido pelos deputado como mais uma afronta.
“Há recursos […] só que a Polícia Federal não tem a senha. […] Eu tenho a senha. […] Não passo [a senha] porque eu vou voltar com a minha empresa”, diz Glaidson.
A Polícia Federal já confirmou que Glaidson tem criptomoedas guardadas, e que estão numa carteira digital apreendida em 2021. São mais de 318 mil dashcores – um outro tipo de criptomoeda: 318.499,50 – na época estavam avaliadas em R$ 437 milhões.
A PF monitora as carteiras digitais dele, mas ainda não tem as senhas que permitiram movimentação. Até hoje as vítimas não conseguiram recuperar nada.
Desde junho, o Brasil tem uma lei para o mercado de criptomoedas. A legislação reconhece o que são ativos digitais e trata das responsabilidades dos intermediários e prestadores de serviço, mas ainda precisa de regulamentação, que vai ser feita pelo Banco Central.
O Fantástico tentou ouvir um representante da instituição pra explicar o que está sendo feito, mas ninguém quis falar.
Para o advogado que tenta recuperar o dinheiro de vítimas, as autoridades precisam estar atentas aos movimentos dos golpistas.
“Hoje eu vejo já uma modalidade muito grande que é de pirâmide de curto período. São pirâmides que elas não vão ficar tão infladas, tão grandes que chamem a atenção dos reguladores. Então, hoje o que está sendo feito é basicamente, criam-se várias empresas de períodos curtos, dois, três meses e depois já faz outro. Enquanto uma tá ruindo, a outra está nascendo”, diz Artêmio Picanço.
A lei criou também um novo tipo penal: o 171 A. É o mesmo crime de estelionato que já existia – mas com uma pena um pouco maior quando se tratar de criptoativos.
A CPI foi prorrogada, só vai terminar em outubro mas já tem uma decisão. Pelas descobertas feitas até aqui, a legislação que acaba de entrar em vigor vai precisar de uma atualização.
OUTRO LADO
As defesas dos citados enviaram notas oficiais ao Fantástico para falarem sobre o caso. Veja o que dizem Renan Bastos, Patrick Abrahão, Glaidson Acácio dos Santos e Mirelis Diaz.
- Renan Bastos
- Renan Bastos é co-proprietário da empresa de tecnologia CFT Solutions LLC, empresa norte- americana atuante exclusivamente no ramo de tecnologia, responsável pelo desenvolvimento de um software que realiza operações no mercado financeiro. A empresa CFT Solutions LLC, na situação de cliente, bem como diversos outros usuários, se utilizaram do software de operações no mercado financeiro operando através da empresa FX Winning como corretora, por conta de sua acessibilidade e facilidade de uso. Todos os resultados obtidos pelo uso do software são de responsabilidade dos usuários que, assinam termo de uso concordando com os riscos incorridos em operações de mercado financeiro, assim como se faz em investimentos bancários de risco. Nem a CFT e nem Renan Bastos jamais captaram recursos de terceiros. Assim, cada cliente fez seus aportes individualmente em suas contas pessoais na corretora FX Winning. Ao contrário, a empresa FX Winning de maneira repentina e injustificada, impossibilitou que todos os clientes acessassem seus ativos, deixando milhares de pessoas físicas e jurídicas em situação de prejuízo, incluindo a própria CFT e Renan Bastos. A CFT, por iniciativa de Renan Bastos, em maio de 2023, posicionou-se assertiva e ostensivamente em prol de seus clientes e de seus direitos, e ingressou com ação judicial nos Estados Unidos da América do Norte em face da corretora FX Winning e seus proprietários e administradores David Merino, Roman Cardenas e Rafael Brito Cutie no intuito de reaver o acesso aos ativos ali confiados e liberar tais recursos ilegalmente retidos. Tal movimento foi objeto de diversas matérias da mídia especializada como Bloomberg e Yahoo Finance. Também, foi contratada equipe especializada em periciamento de ativos digiais para identificar, rastrear e detalhar transações da empresa FX Winning e seus responsáveis para monitorar criptoativos, objetivando garantir a liquidez necessária para a eficácia de medidas constritivas de devolução dos valores aos verdadeiros titulares e prejudicados. Assim, Renan Bastos jamais participou de qualquer esquema fraudulento envolvendo a empresa FX Winning, tendo sido mais um dos vitimizados pelas atividades abusivas praticadas. Destaque-se que a reputação do Sr. Renan é ilibada, nunca tendo sido réu ou investigado de qualquer procedimento envolvendo a empresa FX Winning, mas apenas figura como vítima da empresa que lhe gerou prejuízos de grande monta. Movimentos de apontamento e responsabilização do Sr. Renan por esquemas de pirâmide em parceria com a FX Winning são absolutamente irreais, injustos e caluniosos e não possuem qualquer fulcro legal, devendo ser objeto de medidas judiciais por macularem sua imagem e gerarem prejuízos desarrazoados.
- Patrick Abrahão
- O Patrick não contribuiu para a prática de nenhum dos alegados crimes. Nunca foi sócio da Trust e por isso não poderia gerir nem operar instituição financeira. Já está provado que Patrick era apenas um dos milhares de investidores. Os sócios da empresa depuseram em Juízo e confirmaram que Patrick era apenas um investidor e não tinha poder de gestão ou participação nos lucros. Também ficou provado que Patrick visitou a mina de esmeraldas na condição de investidor, junto com diversas outras pessoas. As acusações foram todas rechaçadas durante as audiências. A expectativa da defesa é de absolvição plena de todas as acusações.
- Glaidson Acácio dos Santos
- A defesa de Glaidson Acácio dos Santos afirma que a GAS consultoria não é uma pirâmide financeira e em nove anos de atividade jamais lesou nenhum cliente e teve suas atividades paralisadas pela justiça sem que houvesse nenhuma ocorrência ou cliente que alegasse ter deixado de receber os valores contratados. O LAWFARE criado para tirar do mercado uma empresa idônea com a prisão de seu CEO está sendo veementemente combatido na justiça e os responsáveis por essa narrativa caluniosa serão responsabilizados no futuro.
- Mirelis Diaz
- Mirelis Diaz é cidadã estrangeira e vivia legalmente nos EUA , 6 meses antes da operação da Polícia Federal. Sua função na empresa jamais foi de captar clientes. Jamais teve função administrativa , jurídica ou contábil. Sequer tinha acesso a tais dados. A GAS nunca foi pirâmide e disso não foi acusada. Pagou fielmente todos seus clientes por 9 anos. Só foram interrompidos os pgtos pelos bloqueios oriundos das operação kryptos. O crescimento das criptomoedas nos últimos 10 anos foi infinitamente superior às contrapartidas oferecidas pela GAS aos seus clientes , o que é de conhecimento público.
- Antônio Neto
- Não conseguimos contato com o citado e nem com os advogados. Ele é considerado foragido da Justiça.
*Com informações do Fantástico.
Pós-graduada em Jornalismo Investigativo pela Universidade Anhembi Morumbi; e graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Veiga de Almeida.
Atuou como produtora/repórter na Lagos TV, Coordenadora de Programação na InterTV - Afiliada da Rede Globo, apresentadora na Rádio Costa do Sol FM e editora no Blog Cutback. É repórter no Portal RC24h desde 2016 e coordenadora de reportagem desde 2023, além de ser repórter colaboradora no jornal O Dia/Meia Hora. Também é criadora de conteúdo para a Web 3.0 na Hive.
Vencedora do 3º Prêmio Prolagos de Jornalismo Ambiental, na categoria web.