Na primeira vez em que o Brasil comemora o Dia da Consciência Negra após a recriação do Ministério da Igualdade Racial, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao lado da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, assinou, neste 20 de novembro, 13 ações do segundo Pacote pela Igualdade Racial feitas com mais de dez ministérios e órgãos federais.
“O que nós fizemos aqui hoje é o pagamento de uma dívida histórica que a supremacia branca construiu desde que esse país foi descoberto e nós queremos apenas recompor aquilo que é a realidade de uma sociedade democrática”, disse Lula.
Para o presidente, é necessário que a sociedade brasileira fiscalize e cobre aquilo que o Governo Federal realiza. “Todos os atos assinados hoje, no Dia da Consciência Negra, são como plantar uma árvore”, disse ele. “Para ela crescer, precisa ser regada, assim como as políticas públicas. É um pagamento histórico por anos de escravização. As pessoas não podem deixar de cobrar o governo pelas políticas de igualdade racial sancionadas hoje.”
Lula enfatizou que a assinatura das ações é uma reafirmação do compromisso em construir uma verdadeira igualdade racial. “Nós não somos diferentes pela pele, pelo cabelo, pela roupa, porque nós somos irmãos, viemos do mesmo pai, moramos no mesmo planeta e temos o sangue da mesma cor. Então, tudo que a gente está fazendo é a tentativa de recompor coisas que foram destruídas e colocar no lugar coisas que foram tiradas.”
No Pacote pela Igualdade Racial, constam titulações de territórios quilombolas, programas nacionais, edital, grupos de trabalho interministeriais, acordos de cooperação e outras iniciativas que garantem ou ampliam o direito à vida, à terra, à inclusão, à memória e à reparação.
Umas das ações do segundo pacote é a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ), que pretende contribuir para o desenvolvimento sustentável dos territórios quilombolas. Com previsão orçamentária de mais de R$ 20 milhões, vai beneficiar as 3.669 comunidades quilombolas.
Para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, reconhecer e contar a nossa história é um dos pilares da consciência negra. “Foi ocupando as ruas e os espaços de poder que os movimentos deram passos necessários para que chegássemos até aqui. Essas sementes foram plantadas para garantir a responsabilidade do Estado na promoção de direitos para as pessoas negras, que somam 56% da população. O compromisso que assumimos no dia 1º de janeiro de 2023 foi de honrar o espaço de quem veio antes e ir além”, afirmou Anielle.
“Ano a ano, os dados persistem em comprovar que a fome e a insegurança alimentar, o acesso à educação e à saúde, o desemprego e as mortes violentas atingem de forma desigual a população negra. Erguemos o Ministério da Igualdade Racial com o desafio de mudar esse percurso e melhorar o presente e o futuro da população brasileira”, garantiu a ministra.
É a primeira vez que o Brasil comemora o 20 de novembro após a recriação do ministério dedicado à população negra, quilombola, cigana e demais Povos e Comunidades Tradicionais (PCT). A data foi instituída como efeméride nos calendários escolares pela Lei nº 10.639, de 9 janeiro de 2003, no início do primeiro governo Lula, assim como o MIR. A Lei também diz que o ensino da história e cultura afro-brasileiras é obrigatório nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio.
Durante a cerimônia, o presidente Lula e a ministra Anielle Franco realizaram a entrega de títulos que garantem a posse definitiva de terras para mais de 300 famílias, por meio de atuação do MIR, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA. Entre eles, o título integral para a comunidade da Ilha de São Vicente, que fica em Araguatins (TO) e conta com 55 famílias, e o título de imóvel para 89 famílias de Lagoa dos Campinhos, que fica em Amparo de São Francisco e Telha (SE).
Para populações do Maranhão, em parceria com o Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA), foram entregues três títulos: um para a Associação dos Moradores do Povoado Malhada dos Pretos, do município de Peri Mirim (MA), com 45 famílias; outro para a Associação dos Moradores do Povoado Santa Cruz, também de Peri Mirim (MA), com 50 famílias; e um para a Associação da Comunidade Negra de Trabalhadores Rurais Quilombolas de Deus bem Sabe, do município de Serrano do Maranhão (MA), que possui 80 famílias.
Veja quais são as medidas pelo Pacote da Igualdade Racial:
» Programa Nacional de Ações Afirmativas: busca formular, promover, articular e monitorar políticas voltadas para mulheres e pessoas negras, quilombolas, indígenas, ciganas ou com deficiência, com investimento de R$ 9 milhões.
» Grupo de Trabalho Interministerial de Comunicação Antirracista, responsável por criar políticas para uma comunicação mais inclusiva e respeitosa dentro da administração pública. Além de elaborar o Plano Nacional de Comunicação Antirracista, caberá ao GTI propor estratégias de fortalecimento de mídias negras, de promoção da diversidade racial em publicidades e patrocínios do Estado, de diálogo com a sociedade e veículos de comunicação, de formação para porta-vozes, servidores e prestadores de serviço.
» Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ), que pretende contribuir para o desenvolvimento sustentável dos territórios quilombolas, aliando conservação ambiental, efetivação de direitos sociais e geração de renda, além de suprir as necessidades da geração atual sem comprometer as necessidades das gerações futuras. Vai beneficiar as 3.669 comunidades quilombolas certificadas pelo poder público, com uma previsão orçamentária de mais de R$ 20 milhões.
» Tombamento Constitucional de Quilombos: contribuirá para a valorização e o reconhecimento da cultura quilombola, dos seus modos de vida, dos bens materiais e imateriais, além de fortalecer a proteção desses territórios que são rotineiramente ameaçados. Os impactos se estendem a toda a sociedade, resultando em ganhos para a conservação da biodiversidade e para a estabilidade climática.
» Brasil Sem Fome: o Acordo de Cooperação Técnica entre MIR e Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) reafirma o compromisso com a construção de uma agenda de combate à fome, à insegurança alimentar e à pobreza, a partir da qualificação de serviços e equipamentos da assistência social. Integra o Plano Brasil Sem Fome, que busca promover a equidade de raça e gênero por meio da inclusão socioeconômica e da promoção da segurança alimentar e nutricional.
» Primeira Infância Antirracista, tema do memorando que oficializa a intenção do MIR e do Unicef trabalharem juntos para combater o racismo e atenuar seus impactos na infância de crianças negras, quilombolas e indígenas. As estratégias, a serem criadas e implementadas em cooperação mútua, serão voltadas para a capacitação de profissionais da saúde, da assistência social e da educação, para a realização de seminários e eventos, para a produção de pesquisas, assim como para a disseminação de materiais relacionados a práticas antirracistas nos serviços de atendimento às gestantes, crianças negras e indígenas.
ESTUDOS – Além das seis medidas assinadas pelo presidente Lula, o segundo pacote de ações pela igualdade racial inclui investimentos em pesquisa, monitoramento e avaliação de dados.
Uma parceria com o IBGE vai viabilizar um bloco sobre ações afirmativas e gestão dos municípios dentro do âmbito racial, bloco até então inédito, em uma das maiores pesquisas do país (a MUNIC e a ESTADIC). Com isso, será possível a coleta de mais dados sobre ciganos, quilombolas, povos de terreiro e uma análise mais assertiva sobre como as políticas públicas têm sido efetuadas.
Já o monitoramento, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), permitirá mapear nacionalmente temas pouco debatidos, mas relevantes para embasar políticas, como a assistência de cuidado a pessoas idosas negras ou acidentes de trabalho para pessoas negras.
Outra iniciativa, junto ao Instituto Federal de Brasília, fomentará a construção do Observatório de Políticas Públicas em Igualdade Racial e o fortalecimento dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas, que resultará em conscientização sobre os povos de terreiro, oportunidades para jovens participarem de projetos de Igualdade Racial e criação de novas políticas voltadas para essa pauta.
ATENDIMENTO PSICOSSOCIAL – Também haverá investimento de R$ 8 milhões na qualificação do atendimento psicossocial para mães e familiares de vítimas de violência. O programa é uma ação conjunta do MIR com o Ministério da Justiça, o Ministério da Saúde e o Ministério do Desenvolvimento Social. O projeto piloto ocorrerá na Bahia e no Rio de Janeiro, com apoio de cinco universidades públicas: Universidade Federal da Bahia, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal de São Paulo, Universidade Federal do Ceará e Universidade Federal do Rio de Janeiro.
QUALIFICAÇÃO – O segundo pacote de ações pela Igualdade Racial também prevê um investimento de R$ 5 milhões em cursos de capacitação para o uso de tecnologia social sustentável de baixo custo, formação empreendedora para a comercialização do excedente de produção e ações de transferência de tecnologia.
O projeto, executado pelo IFMA (Instituto Federal do Maranhão) com apoio do MIR, resultará em impacto positivo para as comunidades quilombolas de Alcântara/MA, que desde a década de 80 são expostas a situações de extrema pobreza e violação de direitos
Outros R$ 2 milhões serão destinados à regularização fundiária quilombola. Esta parceria do MIR com o INCRA também conta com o apoio do Ministério da Cultura, do Iphan e da Fundação Cultural Palmares.
Também haverá investimento de R$ 4,4 milhões em uma chamada pública de incentivo à produção cultural, economia de axé e agroecologia. A ação é voltada para Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), quilombolas e ciganos. Serão financiados os projetos que se propuserem a valorizar a cultura desses povos e a produzir representações distintas do que está hegemonicamente estabelecido no imaginário social brasileiro.
Pretende-se ainda fomentar a agroecologia, reafirmando práticas sustentáveis de desenvolvimento nos territórios, sem perder de vista a preservação da biodiversidade e dos saberes tradicionais. Além disso, serão contempladas iniciativas voltadas à economia criativa, por meio da geração de renda a partir da cultura de axé, uma forma de valorização da identidade negra e da ancestralidade.