Um mistério que envolve sequestro, ameaça, descaso e já dura quase 15 anos: o desaparecimento de Viviane Machado Modesto da Silva e de seu filho, na época com seis meses. Ela foi vista pela última vez na companhia do ex-marido, em 2008, de quem se separou por ter uma relação abusiva. No último mês, após anos de buscas, a mãe de Viviane encontrou o neto. Agora, falta saber o paradeiro da filha.
Apesar de as evidências apontarem para um caso de homicídio, o destino de Viviane é desconhecido até hoje. O ex-marido, agora doente, nunca foi questionado pela Polícia Civil. Mesmo sem recursos, a dona de casa Maria Salvadora, de 60 anos, não desiste de tentar descobrir o que aconteceu com a filha.
“Mãe Sou mãe. Eu estou sentindo dor. Passa Natal, minha filha não está. Minha filha faz aniversário no dia 8 de outubro e não está. Vem Ano Novo e não está. Fazemos brincadeiras, churrasco em casa, e está faltando alguém na minha casa. Cadê a minha filha?”, questiona.
Ainda menor de idade, Viviane conheceu um homem 18 anos mais velho. Casou-se com Marcos Paulo da Silva Pinto e teve um filho. O bebê nasceu em outubro de 2006.
“[Eles] foram morar juntos e ele mudou. Virou possessivo, começou a trancar ela dentro de casa. Não deixava ela me visitar, visitar a irmã”, relembra a dona de casa.
Ainda segundo a mãe, depois de 4 anos, Viviane tomou coragem e deu fim ao relacionamento. Mas logo foi alvo de uma vingança. O ex-marido sumiu com a criança.
“Minha filha ficava com ele [o filho] de segunda a sexta, e sábado e domingo era dele. E minha filha pegava na segunda-feira. Quando ela chegou em Marambaia, em São Gonçalo, na casa, a casa estava limpa e o Marco não estava lá”, lembra Maria Salvadora.
Festa de aniversário e desaparecimento
Maria conta que seis meses depois, o ex-marido reapareceu. E convenceu Viviane a participar da festa de aniversário de 2 anos do filho. Ela foi para a comemoração em Cabo Frio, na Região dos Lagos. E nunca mais foi vista.
Isso foi no dia 5 de outubro de 2008. A criança e o pai também sumiram, mais uma vez.
“Foi a última vez [que a vi]. Depois, só pelo telefone, ela pedindo para a Janaina, a minha filha do meio. Pedia para que fosse na cidade onde ela estava, que ela estava presa em uma casa e que o Marcos não queria que ela fosse embora.”
Sem ajuda da polícia
A mãe de Viviane procurou a polícia. Em novembro de 2008, a Delegacia da Mulher de São Gonçalo (Deam) registrou o caso como sequestro e cárcere privado.
Maria espalhou cartazes por várias cidades, com fotos da filha, do neto e do ex-genro. Além disso, juntou dinheiro para fazer buscas. Deixou de viver a própria vida para viver uma angústia sem fim.
“Eu mesma fui à polícia, fui à Justiça, eu mesma andei tudo, entrei em favela, pendurei cartazes, fui para Búzios, Saquarema, onde dizia que tinha rastro dele, eu ia. Minha vida parou”, conta, emocionada.
Dez anos depois, novas pistas
Dez anos depois, novas informações sobre o paradeiro da filha e do neto fizeram Maria procurar a polícia. O boletim de ocorrência foi feito na Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo.
No depoimento, ela contou aos investigadores que um parente do ex-genro “informou que procurasse Viviane nos necrotérios e hospitais”.
E que foi procurada por outra pessoa que dizia que Marcos havia matado sua filha. Mesmo com a nova denúncia, as investigações nunca andaram.
“Dona Maria procurou o escritório Modelo da Sociedade dos Advogados Criminais do Rio de Janeiro em busca de ajuda. Nenhuma investigação até aqui se iniciou. E tudo que se sabe sobre o caso, deve-se exclusivamente aos esforços impetrados pela dona Maria”, afirma Marcela Amaral, advogada da dona de casa.
Reencontro com o neto
Até hoje, Maria não sabe do paradeiro de Viviane. Mas o telefonema de um parente do ex-genro, no mês passado, acabou com parte da aflição.
“Eu recebi o telefonema no impacto. Me ligaram e falaram onde o meu neto estava. Ele estava passando necessidade. Se tinha arroz para almoçar, não tinha para jantar. Se tinha pão para comer, tinha que dividir com todo mundo. Ele estava passando fome. O meu neto disse que estava passando fome”, relata.
Assim que reencontrou o neto, Maria logo procurou a polícia. Em depoimento, o jovem contou detalhes da vida que levava.
Agora com 16 anos, ele disse que morava em Cachoeiras de Macacu com o pai, os irmãos e a madrasta havia cinco meses. E que lembra apenas “que anteriormente morava em Campo Grande, no Rio, com as mesmas pessoas.”
Ele disse também que “não se recorda da mãe, pois desde que se entende por gente, não lembra de ter contato com ela, e sim com outras mulheres que seu pai teve ao longo da vida.”
De acordo com o jovem, sempre que ele perguntava pela mãe, apanhava ou era jurado de morte pelo pai.
Ele afirmou ainda que não tem documentos. E que nunca frequentou a escola, pois foi alfabetizado em casa, pela madrasta.
O jovem disse ainda que o pai está em uma cadeira de rodas, com sequelas de um acidente vascular cerebral (AVC) que sofreu em 2021.
Em busca de respostas
O RJ2 foi até Cachoeiras de Macacu, a 100 quilômetros do Rio. No local, a reportagem achou Marcos Paulo na varanda de uma casa, sem conseguir falar.
A mulher, que foi casada com ele por dez anos, e que cuidava do neto de Maria, diz que só agora percebeu que Marcos Paulo contava mentiras. Ela preferiu não mostrar o rosto.
“Nesses dez anos, a gente mudou 13 vezes, deixando tudo pra trás. Saia só com a roupa do corpo e o documento. Deixava tudo, televisão, roupa de cama. A gente fazia o quê? Tinha que mudar. Sair de madrugada, a gente sempre mudava de noite. Ele falava que tinha que ir embora porque o dono pediu a casa, que não tem dinheiro pra fazer a mudança. Era isso”, relata.
Segundo a mulher, Marcos Paulo sempre fazia os mesmos comentários sobre Viviane. “Ele falava que ela tinha ido embora com outro homem e tinha abandonado eles.”
Questionada se o relacionamento dos dois era abusivo, ela diz que sim, e que era ameaçada.
“Não me deixava sair de casa. Não podia usar bermuda curta, não podia usar maquiagem. Não podia passar muito tempo na rua. Ficava mais preso com as crianças dentro de casa. Bater, ele não batia. Mas o terror psicológico, ele fazia. Falava que ia cortar a cabeça dos meus filhos fora.”
A mulher disse que criou um outro filho de Marcos Paulo, com o mesmo histórico relatado pelo pai. Segunda ela, Marcos dizia que o menino, que ainda mora com ela, também havia sido abandonado pela mãe.
Recuperar o tempo perdido
Agora, de volta à casa da família da mãe, o jovem tenta recuperar o tempo perdido com a avó. Dona Maria mantém esperanças de encontrar a filha viva.
“Eu não durmo. Tive dois derrames. Eu me pus de pé pela minha filha e pelo meu meto. Antes de morrer, eu vou achar minha filha. Eu tenho que achar. Eu tenho que achar. É a minha caçula. Eu não coloquei filho no mundo para ser tirada assim, do nada. O único tesouro que eu tenho são meus filhos”, conta Maria.
O que diz a Polícia Civil
A polícia disse que o registro de cárcere privado foi investigado pela Deam de São Gonçalo e em 2014 foi encaminhado ao Ministério Público, que recomendou o arquivamento do processo, o que foi aceito pela Justiça.
O registro de desaparecimento, feito em 2018, foi encaminhado para a Delegacia de Búzios na época. Em maio deste ano, o menino foi localizado, ouvido e o inquérito encaminhado ao Ministério Público.
Procurado, o Ministério Público do Rio (MPRJ) ainda não respondeu aos questionamentos.
*Com informações do G1.
Pós-graduada em Jornalismo Investigativo pela Universidade Anhembi Morumbi; e graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Veiga de Almeida.
Atuou como produtora/repórter na Lagos TV, Coordenadora de Programação na InterTV - Afiliada da Rede Globo, apresentadora na Rádio Costa do Sol FM e editora no Blog Cutback. É repórter no Portal RC24h desde 2016 e coordenadora de reportagem desde 2023, além de ser repórter colaboradora no jornal O Dia/Meia Hora. Também é criadora de conteúdo para a Web 3.0 na Hive.
Vencedora do 3º Prêmio Prolagos de Jornalismo Ambiental, na categoria web.