Gilmário Santana da Silva, famoso escultor de Búzios, morreu nesta terça-feira (14). O artista, que tinha 63 anos, caiu de um andaime há alguns meses, precisando ficar internado. Infelizmente, os ferimentos foram graves e ele não resistiu.
O artista era natural de Itapetinga, na Bahia, onde começou a entalhar suas obras ainda criança. E, mesmo se mudando para um município cujo a distância é de 1.173,7 km, na verdade, era como se Gilmário tivesse título cidadão buziano, tendo em vista que era extremamente admirado e querido no balneário.
Lá, inclusive, era onde ficava seu ateliê, localizado na Avenida José Bento Ribeiro Dantas, a caminho do Centro da cidade. Quem passava pelo lugar em horário comercial, via Gilmário trabalhando em suas obras com, inclusive, uma moto-serra.
A morte foi registrada em Colatina, no Espírito Santo. Lá, ele estava recebendo atendimento em uma unidade hospitalar onde a irmã trabalhava. O sepultamento aconteceu lá, às 14h.
SOBRE AS OBRAS DE GILMÁRIO
Gilmário era escultor em tempo integral. Em suas mãos, peças brutas se transformavam em dedicados ornamentos com poucos centímetros, ou várias toneladas em trabalhos monumentais.
Ele se dedicou a sua primeira peça à colheita do cacau, até hoje exposta na cidade de Ilhéus, imortalizada na obra de Jorge Amado. Ganhou R$ 160 mil pela escultura e se entusiasmou, produzindo outras, que vão de bibelôs que complementam a decoração de um ambiente a monumentos colossais, aproveitando a imponência de troncos de árvores. Também produzia painéis, cujos detalhes mais sutis eram aparados com a lâmina da serra elétrica.
São de sua autoria dezenas de monumentos e adornos artísticos em praças e espaços públicos, como na Universidade de Belas Artes, onde estudou em Salvador. E por todo interior do Estado com destaques em Porto Seguro e Ilhéus, no Teatro Castro Alves e na Fundação Cultural do Estado da Bahia. No Distrito Federal suas obras “estão por toda parte, entre as Super Quadras Comerciais e os Palácios da República”, fruto dos anos em que expôs na Academia de Tênis de Brasília.
Gilmário teve uma marcante passagem na produção de cenários para o cinema. Com destaque no filme “Casa Grande e Senzala”. Suas obras estão em poder de colecionadores experientes e apreciadores de seu singular imaginário artístico. Sua temática nos convida a um “Universo Fantástico”. Onde cenários infinitos desfilam obras sacras e profanas em uníssono. Em um momento “barroco”, seu inconfundível estilo rústico se mescla a detalhados cenários, onde o “Bem e o Mau” são retratados em composições improváveis, como castelos e variações de personagens como anjos e sereias.
DEPOIMENTO CARINHOSO
Jose Antonio Mendes, ator, diretor e curador de exposições chamou Gilmário de “Curupira Urbano”, em um depoimento carinhoso, confira:
“A ousadia, o espírito lendário e criativo guiam o peculiar mundo de Gilmário Santana em seu eterno esculpir. Sua arte causa estranhamento, é consciente e inconsciente, revela a marca de longuíssimas jornadas matagal adentro do imaginário e da vida do artista.
Compartilhando seu estilo singular de esculpir, suas técnicas meio naíf, meio primitivo, bruto e refinado, projeta em sua obra uma marca suave e pessoal. Reconstrói um discurso denso entre o sagrado e o profano, reinventa uma nova lógica em articulações improváveis na brutalidade de seu formão e retrata com suavidade a carência humana. Preenchendo uma lacuna entre o tribal e o contemporâneo. Mas Gilmário é moderno.
Chega a ser difícil acreditar que este artista de aparência frágil traz a grandeza da natureza bruta abordada de forma direta e aberta em suas obras sempre monumentais. Verdadeiro esteta da arte de esculpir e de criar arrisca todo o seu pulsar no ritmo de seus instintos e intuição.
Artista maior reencontra inspiração e cria sua obra dura, áspera, densa e consistente na labuta do dia a dia. O resultando é um indicador de que o escultor vem dos rituais que traz da fumaça de sua ancestralidade, da velha Bahia tatuada em sua alma. Um elo entre passado e presente que remota ao seu mil avôs. Seu primitivismo inspirado transforma e transcende num sentimento de liberdade incontida.
Compartilha a suavidade e sua ansiedade de artista com um público diverso num primor de sutileza comunicativa.
Sua obra emociona, tem interpretação visceral, projeta uma discussão sobre arte e os artistas marginalizados dos sistemas.
Gilmário busca a sedução, a religiosidade, o erótico, o realismo mágico tendo como estrutura de amparo a condição humana. Um denso retorno à suas memórias e lembranças sustenta o seu trabalho de escultor. Sua obra é muito intrigante, instigante e profunda, consciente, sólida e material, mística e espiritual.
Suas formas sensuais, “pornográficas”, feminino e masculino, beijos, bocas, lábios, falos, são retratados de forma natural como sangue e veias. Sua força vem do mato, do ecológico fundamental, enquanto natureza, selva humana. A fúria do bicho solto, homem doido, escapulido em pleno século vinte e um.
Gilmário é a matéria da antimatéria, uma unidade espiritual percebida somente por aqueles de alma muito pura, um estado bruto de expressão da anima. Sua obra é forte e valente como uma lenda, um Curupira metafísico da atualidade. Seu instinto reflete seu olhar e capta a urgência da vida.
Gilmário é um barroco encantado, um gótico medieval e selvagem, transcendental.
Reciclando mais que madeiras, símbolos da destruição do planeta, fim de uma era. Um gigante que transborda por toda parte. Ocupando espaço com imaginação e visão moderníssima, esculpe em 3D. Instiga sua sintonia com forças da natureza, com os instintos, o cio e a fecundidade. É um dos artistas mais modernos de uma geração de escultores brasileiros contemporâneos. Delicada obra de arte constitui sua forma de ser e de estar no mundo”.
Ludmila Lopes
Graduada em Jornalismo pela Universidade Veiga de Almeida. Já atuou como apresentadora na Jovem TV Notícias, em 2021. Escreve pelo Portal RC24h há 4 anos e atua, desde 2022, como repórter no Jornal Razão, de Santa Catarina. É autora publicada, com duas obras de romance e quase 1 milhão de acessos nas plataformas digitais.
Vencedora do 6º Prêmio Prolagos de Jornalismo Ambiental, na categoria web. Pós-graduanda em Assessoria de Imprensa, Jornalismo Estratégico e Gestão de Crises pela Universidade Castelo Branco (UCB).