15/08/2025 — 08:23
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Morte de bebê após atendimento em UPA de São Pedro da Aldeia levanta suspeita de negligência médica

Família de Joana Garcia Campos, de 1 ano e 11 meses, denuncia falhas no atendimento na UPA Pediátrica de São Pedro da Aldeia e dificuldades para liberação do corpo. Secretaria de Saúde e hospital negam irregularidades, mas investigação está em curso

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A morte da bebê Joana Garcia Campos, de apenas 1 ano e 11 meses, ocorrida no último dia 28 de julho após atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Pediátrica de São Pedro da Aldeia e transferência para o Hospital Pediátrico Lagos (HP Lagos), conveniado com o município, levantou questionamentos sobre possíveis falhas médicas no atendimento inicial. A Polícia Civil abriu inquérito para apurar o caso após insistência da família e atuação da Defensoria Pública do Estado.

Segundo os pais, a criança apresentava sintomas leves de virose quando foi levada à UPA no dia 24 de julho. Moradores de Tomás Coelho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, a família estava em Cabo Frio para passar as férias escolares na casa da avó, em Unamar, distrito da cidade. Joana e sua irmã gêmea, que haviam iniciado a frequência escolar recentemente, começaram a apresentar sinais gripais, o que levou a mãe, Christinny Garcia, a buscar atendimento infantil especializado.

Ela conta que Joana e a irmã apresentaram um sintoma leve de virose e, após aparecer um caroço no lado esquerdo do pescoço da menina, procurou a UPA no último dia 24.

Na ocasião, segundo a mãe, foram realizados exames laboratoriais nas duas meninas, inclusive coleta de sangue em Joana. O laudo apontou alteração compatível com uma virose. A médica plantonista receitou medicação e orientou que, caso os sintomas persistissem, retornassem à unidade. Ainda assim, teria alertado que a menina poderia apresentar febre ou dor de garganta.

Contudo, no dia 26, Joana começou a apresentar piora do quadro clínico, com sintomas respiratórios mais acentuados. No dia seguinte, a mãe retornou com ela à mesma unidade. A partir desse ponto, os relatos da família descrevem uma sucessão de acontecimentos confusos e traumáticos.

De acordo com Christinny, ao chegar à unidade, um dos médicos avaliou que Joana estava com virose e acúmulo de secreção. Foi sugerida uma nebulização e lavagem nasal para aliviar a respiração da criança. No entanto, segundo a mãe, antes mesmo do procedimento, profissionais aplicaram uma medicação intravenosa, cujo nome não foi informado à família.

“Tão logo posicionaram a máscara da nebulização na Jojô, ela ficou molenga. Quando perguntei o que estava acontecendo, a enfermeira disse que era por desidratação. Ela saiu da sala e voltou correndo, pegou a minha filha no colo e a levou para a Sala Vermelha. Ali começou uma correria de médicos pedindo medicamentos, e alguns gritavam que não havia. Ouvi um médico dizer ‘pega aquele mesmo’. Depois, me tiraram da sala”, relatou a mãe.

Ainda segundo ela, a filha apresentava sinais de agravamento — revirava os olhos e se debatia. Em seguida, os médicos tentaram entubá-la. Uma assistente social informou posteriormente que Joana havia sofrido diversas paradas cardiorrespiratórias, uma delas com duração de 25 minutos.

Diante da gravidade, a menina foi transferida no mesmo dia ao HP Lagos, hospital privado com convênio com a Prefeitura de São Pedro da Aldeia. No novo hospital, segundo Christinny, a pediatra particular da família conseguiu contato com os profissionais que atenderam a criança, e eles relataram que Joana chegou em estado grave, sem ter sido entubada na UPA e apresentando quadro de sepse pulmonar e choque séptico. A menina ainda sofreu outra parada cardíaca na unidade e foi entubada, mas não resistiu e faleceu na madrugada do dia 28.

Christinny e o pai da criança tentaram descobrir qual medicação havia sido administrada na UPA, e teriam recebido, de forma informal, a informação de que se tratava de um fármaco indicado para tratamento de asma, pneumonia e bronquite. A mãe afirma que em nenhum momento houve esclarecimento prévio sobre o uso do medicamento e que também não foi informada da real condição clínica no primeiro atendimento.

Além da dor da perda, a família enfrentou outro obstáculo: a liberação do corpo. Christinny conta que uma médica aconselhou que eles não aceitassem a certidão de óbito emitida pelo hospital, e sim solicitassem que o corpo fosse encaminhado ao Instituto Médico-Legal (IML) de Cabo Frio. No entanto, ao se dirigir à 125ª Delegacia de Polícia (125ª DP), encontrou resistência.

“Um policial se recusou a registrar o caso e apenas disse que procurássemos a Defensoria Pública. Foi só com um ofício do defensor público que conseguimos registrar o boletim de ocorrência, pedir o laudo e garantir o encaminhamento do corpo ao IML”, afirmou a mãe.

O atestado de óbito emitido pelo HP Lagos apontou como causas da morte o choque séptico/cardiogênico e a sepse pulmonar. Já o exame de necropsia realizado pelo IML de Cabo Frio teve resultado inconclusivo. A Polícia Civil informou que um exame complementar foi solicitado ao Instituto Médico-Legal Afrânio Peixoto (IMLAP), no Rio, e será realizado nos próximos dias.

Ainda assim, a família enfrenta um impasse. Eles pretendem cremar o corpo de Joana, mas, por se tratar de uma morte suspeita, o IML se recusa a liberar o corpo sem uma ordem judicial. Segundo Christinny, em determinado momento, a liberação chegou a ser autorizada por telefone por um policial, e a funerária foi acionada. Entretanto, logo depois, a decisão foi revista e a liberação, negada.

“Eu cheguei a me sentir aliviada por finalmente poder dar um destino digno à minha filha. Mas fomos surpreendidos com a notícia de que o corpo só seria liberado com alvará judicial. Estamos correndo contra o tempo”, lamenta a mãe. Joana completaria dois anos nesta quinta-feira (7).

O caso gerou comoção nas redes sociais, e a família segue buscando respostas para entender o que de fato aconteceu com a filha.

A Secretaria Estadual de Saúde (SES), por meio de nota, informou que Joana deu entrada na UPA com sintomas gripais no dia 24 e foi atendida pela equipe multidisciplinar, passando por exames laboratoriais. Na ocasião, não havia necessidade de suporte ventilatório. Segundo a pasta, no dia 27, a menina retornou à unidade com piora respiratória, sendo diagnosticada com bronquiolite. Diante da gravidade, foi colocada em suporte respiratório e transferida no mesmo dia para acompanhamento em CTI.

A secretaria lamentou profundamente a morte da criança, disse que a unidade está à disposição para prestar esclarecimentos e reafirmou o compromisso com uma assistência qualificada. No entanto, a SES não informou se abriu sindicância para apurar a conduta médica nem comentou a alegada falta de medicamentos na unidade.

Já o Hospital Pediátrico Lagos declarou que a menina chegou ao local em parada cardiorrespiratória, com quadro de sepse pulmonar e choque séptico. A equipe médica realizou manobras de reanimação, incluindo massagem cardíaca, uso de adrenalina e entubação orotraqueal, mantendo a ventilação mecânica em altos parâmetros. Joana, porém, não resistiu. A instituição também afirmou que a declaração de óbito foi emitida no ato, e que a assistente social prestou todas as orientações legais à família.

Sobre a possibilidade de erro médico, o hospital disse que “não há motivos para abertura de sindicância” e que o atendimento prestado foi adequado ao quadro clínico apresentado.

Por sua vez, a Polícia Civil, por meio da assessoria de imprensa, negou que tenha havido negativa no registro de ocorrência. A corporação afirmou que a necropsia feita em Cabo Frio teve resultado inconclusivo e que exames complementares já foram solicitados ao IML Afrânio Peixoto, na capital. O laudo final será anexado ao inquérito. A investigação, segundo a nota, “não está parada” e segue os trâmites necessários para esclarecer os fatos.

MTb 0022570/MG | Coordenadora de Reportagem  Site do(a) autor(a)

Pós-graduada em Jornalismo Investigativo pela Universidade Anhembi Morumbi; e graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Veiga de Almeida.

Atuou como produtora/repórter na Lagos TV, Coordenadora de Programação na InterTV - Afiliada da Rede Globo, apresentadora na Rádio Costa do Sol FM e editora no Blog Cutback. É repórter no Portal RC24h desde 2016 e coordenadora de reportagem desde 2023, além de ser repórter colaboradora no jornal O Dia/Meia Hora. Também é criadora de conteúdo para a Web 3.0 na Hive.

Vencedora do 3º Prêmio Prolagos de Jornalismo Ambiental, na categoria web.

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