A reintegração à sociedade de egressos do sistema carcerário é um dos maiores desafios sociais enfrentados pelas cidades. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), cerca de 75% dos encarcerados têm ensino fundamental incompleto, baixa renda e muitos são reincidentes (acabam voltando para o crime por diferentes razões). Dados da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) indicam atualmente 51.511 presos no estado do Rio de Janeiro.
As dificuldades de reingresso daqueles que não reincidem no crime são enormes e, para mudar essa realidade no âmbito municipal a Prefeitura de Maricá vem realizando, há pouco mais de um ano, através da Secretaria de Políticas Inclusivas, esse trabalho de ressocialização. Segundo a pasta, quase 80 ex-presidiários (entre homens e mulheres) e seus familiares são atendidos atualmente pelo programa “Escritório Social”. A iniciativa alcança quase 400 pessoas.
“Focamos em devolver o indivíduo para a sociedade com outra visão e pensamento. Na cadeia, para sobreviver no meio, ele passa a agir conforme as leis de lá”, explica a secretária, Sheila Pinto. “Essa mudança o acompanhará por um bom tempo, até mesmo quando cumprir sua pena e retornar ao convívio social. Por isso”, prossegue, “ele precisa de ajuda para conseguir se adaptar novamente ao mundo externo, de onde um dia foi excluído”, afirma.
O processo passa, sobretudo, por ouvir o egresso. “Conversamos sobre o que sonha para o futuro mas temos ações práticas também”, continua, como o auxílio para tirar documentação, a realização de visitas às casas, o oferecimento de atendimento psicológico e a realização de oficinas. “Sempre haverá a dúvida de como o egresso foi preso, mas quando paga sua dívida com a Justiça, ele está tão livre quanto qualquer outro ser humano”, afirma Sheila, acrescentando que as novas oportunidades são essenciais. “Se hoje um empresário fecha uma porta para um egresso encaminhado por uma instituição, ele está abrindo outra porta para o mundo, onde a pessoa pode voltar a fazer coisas ‘erradas’ para se manter”, completa a coordenadora do projeto, Eliane Ferraz.
Moradora de Itapeba, Marli Soares, 57 anos, é mãe de um egresso. Quando conheceu o programa, sofria de depressão, se achava uma pessoa ruim por ter o filho naquela situação. Mas encontrou no projeto pessoas com o mesmo problema. “Em casa, meu filho não é nada do que disseram. Ele tem boca e não fala, não conseguia entender o que havia acontecido com ele. Passei a vir aqui toda semana para receber ajuda psicológica e descobri que não acontece só comigo, que pode acontecer com qualquer família, em qualquer situação”, descreve. “Após meu filho ser solto, ele veio comigo para o Escritório Social e percebeu que através desse atendimento poderia ter uma vida digna, melhor”, comemora.
Antonio Celio Vila Salles, 42 anos, é outro beneficiado. Conhecido como Brow, nasceu em Varjota (Ceará), cresceu na Rocinha, onde acabou preso em 2004, acusado de tráfico de drogas. “Na época, estava rolando uma guerra e eu rodei. Fiquei preso um bom tempo até tudo se resolver e eu ser absolvido. Acabei preso pela segunda vez, pelo mesmo motivo, e decidi mudar de vida. Saí da cadeia em 2010 para 2011 e vim morar aqui em Maricá. Minha sogra já morava aqui há uns cinco anos”, conta.
Para Brow, não foi fácil se livrar dos erros do passado. Distribuía currículos, mas não conseguia emprego. Até que conheceu funcionários da Prefeitura que falaram da Secretaria de Políticas Inclusivas e do Escritório Social. Procurou então o projeto e recebeu ajuda. “Fui encaminhado para um trabalho. Hoje posso falar que eu sou um cidadão. Eles me fizeram enxergar outro futuro, me mostraram que mesmo ganhando pouco, é o pouco suado, honesto, digno. Levo sustento para casa e movo uma ação social”, explica Brow, que trabalha em uma empresa que presta serviços à autarquia Serviços de Obras de Maricá (Somar) há três anos.
Nem mesmo uma nova detenção, por um equívoco da Justiça, mudou seu comportamento. Um antigo mandado de prisão, também por tráfico, não revogado após o cumprimento da sentença, o deixou por seis meses e dez dias na cadeia até que o engano fosse esclarecido. “Foi há um ano. Fiquei triste porque minha mulher estava grávida, e eu tinha ido trabalhar. Me levaram para a delegacia, mostraram a queixa e eu fiquei preso, e sem salário porque o INSS não aprovou o auxilio reclusão”, descreveu.
“Passamos o maior sufoco. Mas minha esposa me disse que a empresa não daria baixa na minha carteira. Isso me fortaleceu”, garante o pedreiro, que ao voltar ao emprego, comprovado o erro judicial e livre das acusações, foi bem recebido pelos colegas de trabalho e seus supervisores. O tempo no cárcere o ajudou a desenvolver um lado artístico.
“Comecei a compor as primeiras letras na cadeia. Quando saí, comprei material, construí meu estúdio devagarzinho e hoje, faço um rap de raiz, que passa a visão para a molecada de que a vida do crime não vale a pena”, diz. “A cadeia é aterrorizante. Quem falar que esteve lá e nunca chorou, é mentiroso. É um lugar desumano. A maioria dos que saem quer uma nova chance. Em outros lugares não ligam para quem sai da cadeia, mas aqui em Maricá, o trabalho é voltado para quem tem dificuldade. Eles não só me ajudaram, ajudaram também a minha família”, revela Brow.