Mais de 800 pessoas que vivem nos bairros Caiçara e Figueira, em Arraial do Cabo, enfrentam a possibilidade de perder suas casas após decisões judiciais envolvendo ações de reintegração de posse e demolições. Os casos, que envolvem construção de empreendimentos privados e intervenções em áreas de preservação ambiental, escancaram a fragilidade das políticas públicas de habitação e a ausência de assistência às comunidades mais vulneráveis.
No bairro Caiçara, uma ordem judicial de reintegração de posse foi publicada no dia 8 de julho de 2025, com prazo de 60 dias para desocupação. A decisão, assinada pelo juiz José Renato Oliva de Mattos Filho, atende ao processo nº 0006357-49.2018.8.19.0005 e determina a devolução da área, localizada às margens da RJ-102, ao autor da ação, um empreendimento privado. Segundo moradores, metade do prazo já passou e, até agora, nenhuma notificação individual foi entregue. Apenas uma placa oficial foi instalada na entrada do bairro.

“Simplesmente colocaram uma placa e estão preparando tudo para demolir nossas casas sem nos avisar. Não deram tempo para tirar nossos pertences, não ofereceram nenhuma alternativa de moradia, nada. É desumano”, relata uma moradora.
Muitas famílias vivem há mais de duas décadas na área, pagam IPTU e construíram suas casas com recursos próprios. A decisão, embasada nos artigos 562 e 297 do Código de Processo Civil, pode deixar centenas de pessoas desabrigadas sem qualquer tipo de amparo social.
A situação no Sabiá, bairro vizinho, também é delicada, mas com base jurídica diferente. Nesta terça-feira (5), agentes do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) e do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) estiveram no local para notificar moradores cujas casas estão construídas dentro da área do Parque Estadual da APA da Massambaba. Neste caso, o processo não é de reintegração de posse, mas sim de demolição de construções em área de preservação ambiental.
Ao contrário do Caiçara, moradores do Sabiá estão recebendo notificações formais. Ainda assim, denunciam a falta de diálogo com os órgãos responsáveis e temem a perda repentina de suas casas. A ocupação no Sabiá, segundo relatos, é mais extensa e estruturada, o que estaria motivando uma ação mais rápida por parte das autoridades ambientais.
“A pergunta que fica é: fazer o que com esse pessoal? Pois muitos estão ali há anos e do nada se retirem, quem tem pra onde ir é fácil e quem não tem faz como, faz o que com as crianças? Acredito que antes de chegar ao ponto de derrubar teria que ter uma outra alternativa como prédios como minha casa minha vida para amparar quem realmente não tem para onde ir, fazer pelo menos algo para amparar, dinheiro tem, falta sensibilidade”, opinou um internauta.
Na última sexta-feira (1), moradores do Caiçara realizaram uma manifestação pacífica pedindo respeito e dignidade. Com faixas, cartazes e depoimentos emocionados, os moradores cobraram a presença do poder público. “A Prefeitura só apareceu aqui em época de eleição. Agora que mais precisamos, ninguém dá a cara”, disse um morador.
“400 Famílias , quase 800 pessoas, crianças, jovens, adultos, deficientes físicos e intelectuais, idosos e acamados; foram surpreendidas com uma notificação de decisão judicial para esvaziarem suas casas pois serão derrubadas em 90 dias! Sem aviso prévio, sem serem informados pelo poder público municipal e seus representantes. Muitos com documentos de compra de imóveis e terrenos, IPTU, água , luz, internet, e outros serviços essenciais. Todos pedindo SOCORRO!”, completou outra internauta.
A reportagem procurou a Prefeitura de Arraial do Cabo para saber se há previsão de programas habitacionais ou medidas de suporte às famílias afetadas, mas não obteve retorno até o momento. O MPRJ também foi questionado sobre os procedimentos nos dois bairros, mas também não retornou até a publicação. O INEA, por sua vez, informou por nota: “O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informa que acompanha o processo conduzido pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e contribuirá com as medidas necessárias para o cumprimento da decisão judicial, uma vez que as construções estão dentro de uma unidade de conservação estadual.”