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Família de trader assassinado quer mudança do local de julgamento de Glaidson dos Santos, o ‘Faraó dos Bitcoins’

Pais de Wesley Pessano pedirão que o processo seja transferido de São Pedro d’Aldeia, cidade da Região dos Lagos onde o crime foi cometido, para outro lugar — de preferência, para a capital

O representante comercial Fabrício Santarém arrumava as malas para a viagem no dia seguinte ao Rio de Janeiro, quando o telefone tocou. O plano era passar o Dia dos Pais com o filho, Wesley Pessano, e voltar com ele para Santa Catarina. Mas ele ouviu o que jamais esperava:“Seu filho foi baleado”. Do outro lado da linha, faltou coragem para dar a notícia completa: o jovem, de 19 anos, já estava morto. Não resistiu após ser atingido, em um Porsche, por quatro tiros, um deles na cabeça, em 4 de agosto de 2021.

Wesley era o mais velho dos três filhos de Fabrício com Carla Santarem. A tragédia, sozinha, explicaria a amargura que a família vive até hoje. O drama, porém, é agravado por uma incessante campanha de desmoralização da memória de Wesley, promovida por ex-clientes da GAS Consultoria Bitcoin, que não aceitam a investigação que apontou o dono da empresa, Glaidson Acácio dos Santos, o Faraó dos Bitcoins, como mandante do crime – Glaidson também responde pela tentativa de assassinato do amigo de Wesley, Adeilson José da Costa Júnior, que estava no banco do carona e sobreviveu a dois tiros.

Na primeira entrevista desde a morte do filho, Fabrício e Carla anunciaram que, para garantir um julgamento imparcial, vão pedir que o processo seja transferido de São Pedro d’Aldeia, cidade da Região dos Lagos onde o crime foi cometido, para outro lugar – de preferência, para a capital. O advogado da família, Luciano Regis, alegou que, além da falta de estrutura da Justiça local para um júri de repercussão nacional, teme pela imparcialidade da decisão no meio da pressão exercida por uma legião de clientes, que querem a liberdade de Glaidson a qualquer custo, para reabrir a GAS e retomar os pagamentos.

— Ficamos indignados. Em nenhum momento, essas pessoas falam tudo o que ele (Glaidson) fez. Alegam que é preciso separar os CPFs, que a empresa é outra coisa. Mas ele é uma pessoa só, que fez tudo isso. Wesley foi arrancado da gente — desabafa a mãe.

Glaidson e outros 11 réus foram pronunciados em 19 de dezembro do ano passado pela morte de Wesley Pessano e tentativa contra a vida de Adeilson. Conversas do ex-CEO da GAS em aplicativos, arroladas pelos promotores no processo, são as principais provas de que teria partido do Faraó a ordem de execução. A denúncia sustenta que Glaidson eliminou Wesley porque a vítima ameaçava o monopólio de sua pirâmide financeira em Cabo Frio e nas cidades vizinhas, epicentro dos seus negócios.

Chimarrão de manhã
Todos os dias, desde o crime, Carla lembra que o filho mais velho, assim que acordava, entregava uma cuia de chimarrão e perguntava o cardápio do almoço. Entre lágrimas, ela disse que é muito difícil viver sem esse e muitos outros momentos com Wesley. Profissional de comércio exterior, Carla disse que a família nunca mais recuperou o rumo e abandonou de vez o hábito de fazer planos futuros. É viver agora um dia atrás do outro.

Wesley morou com a família – todos gaúchos, em Navegantes (SC) até março de 2021, quando aceitou o convite de dois ex-alunos, João Paulo Antonioli Gomes e Breno Rodrigues da Silva, para montar com eles a Ares Trading, empresa de investimentos em Cabo Frio. A mãe se arrepende de ter dado força e acalmado as desconfianças do pai, que preferia que o filho continuasse ganhando dinheiro com os cursos que oferecia.

Desde os 16 anos, Wesley gostava de operar com opções binárias – tipo de operação baseada na subida ou descida dos preços dentro de um período de tempo determinado pelos negociadores. Os pais contam que o garoto perdeu muito dinheiro e chegou a vender o próprio notebook para continuar investindo até dominar o sistema. Na tela do computador, ele via gráficos, com curvas coloridas, e fazia as suas opções.

Depois de perder os últimos R$ 2 mil disponíveis, resolveu submergir. Passava horas, no escuro do quarto, lendo e estudando. Um dia, já aos 17 anos, decidiu que estava pronto. Os resultados positivos, que rendiam uma bolada em poucos minutos, começaram a surgir. As operações, exibidas por Wesley nas redes sociais, logo atraíram dezenas de interessados. Parte deles formou as primeiras turmas do curso remoto do jovem trader.

— Ele começou a dar cursos depois de desenvolver o seu próprio operacional. Procurava sempre não iludir o aluno. Aconselhava a investir apenas o que não fizesse falta depois. Era difícil aprender até começar a ganhar — lembra Carla.

O convite para mudar-se para Cabo Frio veio na esteira do sucesso, depois que Wesley passou a dar cursos presenciais. A família lamenta que, embora não figurasse como sócio da Ares, o jovem tenha virado em poucas semanas o rosto da empresa. Era arrojado nas lives. Usava um visual despojado. Bermudão, camisa de malha e chinelos. O funk dominava o fundo musical. Ao mesmo tempo, se deixava fotografar a bordo de um Porsche Boxster vermelho ou contando dinheiro ao lado do carrão.

A família garante que, dias antes de ser alvejado quando chegava ao barbeiro, em São Pedro, Wesley já havia tomado a decisão de voltar para o Sul. Alugara um apartamento em Navegantes, para morar com a namorada, e mandou dinheiro para os pais comprarem os móveis e outros utensílios.

— Ele estava preocupado. Senti que não era o que ele esperava. O ambiente começava a ficar perigoso, me contou — disse Fabrício.

A memória de Wesley, especialmente depois que a polícia concluiu o envolvimento de Glaidson no crime, foi alvo de uma campanha de difamação. Nas redes sociais, postagens insinuaram o envolvimento do jovem com mulheres casadas e com o narcotráfico. Também acusaram a família de ficar com o dinheiro proveniente do calote dado pela Ares nos clientes após a morte do trader.

— Não ficamos com um tostão. Wesley nunca foi sócio. Nada — desabafa Cláudia.

Luciano Regis, advogado da família que atua como assistente de acusação, lembrou que Glaidson, pelo dinheiro envolvido a quebra da GAS, ainda exerce forte influência em Cabo Frio e cidades vizinhas, razão pela qual pedirá a transferência do julgamento. Ele ressaltou que, nas últimas eleições gerais, no ano passado, Glaidson somou 40 mil votos e só não foi eleito porque a Justiça Eleitoral barrou a sua inscrição.

Nota de defesa de Glaidson
Em nota assinada pelos advogados Sandra de Fátima Cardoso de Figueiredo e Caio Fernandes Gioia Enne Aded, Glaidson Acácio dos Santos disse que o pedido da família de Wesley é impraticável porque não apresenta os requisitos legais exigidos, como interesse da ordem pública ou parcialidade do júri:

“A defesa do Sr. Glaidson Acácio dos Santos entende que a manifestação da família do Sr. Wesley Pessano no sentido de desaforamento do júri é precipitada, visto que ainda cabe recurso contra a Sentença de pronúncia, que sequer chegou a ser analisada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. De todo modo, os requisitos do art. 427 do CPP para o desaforamento, quais sejam, “interesse da ordem pública, dúvida sobre imparcialidade do júri ou segurança pessoal do acusado” não estão presentes no caso em discussão, para além da inexequibilidade do pleito, tendo em vista que o dispositivo fala claramente que o desaforamento só pode ocorrer “para outra comarca da mesma região” e há clientes da G.A.S Consultoria e Tecnologia LTDA em todo o território nacional. A defesa permanece convicta de que ao final do processo restará definitivamente provada a inocência do Sr. Glaidson Acácio dos Santos de todas as acusações”.

*Com informações dO GLOBO.

Coordenadora de Reportagem na Portal RC24h | Site do(a) autor(a)

Pós-graduada em Jornalismo Investigativo pela Universidade Anhembi Morumbi; e graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Veiga de Almeida.

Atuou como produtora/repórter na Lagos TV, Coordenadora de Programação na InterTV - Afiliada da Rede Globo, apresentadora na Rádio Costa do Sol FM e editora no Blog Cutback. É repórter no Portal RC24h desde 2016 e coordenadora de reportagem desde 2023, além de ser repórter colaboradora no jornal O Dia/Meia Hora.

Vencedora do 3º Prêmio Prolagos de Jornalismo Ambiental, na categoria web.

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