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sábado, setembro 28, 2024
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Dormitório das Garças, em Cabo Frio, “comemora” Dia do Meio Ambiente com denúncia de desvio milionário

Com um projeto de reforma e revitalização avaliado em R$ 1.629.208, R$ 779.503,82 foram destinados para consultoria

O Dia Mundial do Meio Ambiente é comemorado nesta quarta-feira (5), contudo, em Cabo Frio, não há muito o que ser festejado. Com um projeto de reforma e revitalização avaliado em R$ 1.629.208,00 e previsto para ocorrer ao longo do ano de 2024, o Dormitório das Garças, parque ecológico que existe há 16 anos no Porto do Carro, já considerado ponto turístico de excelência e destaque ambiental na Região dos Lagos, encontra-se em um estado deplorável – desde o banner de entrada, até os guarda-corpos da trilha.

De acordo com os documentos acessados com exclusividade pelo RC24h, as ações de reforma e revitalização do Dormitório das Garças estavam previstas para iniciar em dezembro de 2023, quando Rosalice Fernandes estava à frente da pasta do Meio Ambiente de Cabo Frio. A empresa escolhida pela então secretária foi o Instituto Ecovida. Coincidentemente, a gerente-geral de projetos do instituto, conforme seu próprio perfil no Linkedin informa, é a filha de Rosalice, Roberta Fernandes Parreira.

Destaca-se, ainda, que Rosalice assumiu a secretaria do Meio Ambiente em Cabo Frio em junho de 2022. No dia 3 de abril deste ano, ela foi exonerada. Em seguida, passou a ocupar o cargo de coordenadora do Instituto Ecovida na cidade cabo-friense.

Para desenvolver o projeto do Dormitório das Garças, a empresa recebeu duas emendas parlamentares do então deputado federal Paulo Ramos (PDT) nos valores de R$ 805.240 e R$ 814.604. De acordo com o Portal de Transparência do Governo Federal, a quantia foi repassada no dia 14 de março de 2024, três meses após o início das obras.

Inclusive, chama a atenção a quantidade de emendas do ex-deputado destinadas à empresa. De 25, 16 foram da autoria de Ramos.

Vale pontuar, ainda, que o Instituto de Gestão Setorial (IGS), apesar do CNPJ se limitar a atividades de contabilidade, corretagem de seguro, consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica, foi quem fez o projeto do Dormitório das Garças.

A empresa também fez outros projetos ligados ao Instituto Ecovida, de acordo com documentos.

Funcionários?

Prevista para terminar em dezembro de 2024, neste início de junho, compreende-se que as obras deveriam estar na metade. Ou ao menos as contratações, até porque, de acordo com o plano de trabalho, apenas para estruturar a equipe do Instituto Ecovida para trabalhar no projeto, o custo foi de R$ 779.503,82, o que equivale quase 48% do orçamento total.

Esta quantia, inclusive, consta na primeira meta no cronograma de desembolso, estando à frente, até mesmo, de ações de integração e de restauração. Veja:

CRONOGRAMA DE DESEMBOLSO

Mês de desembolso: FevereiroAno: 2024
META Nº 1Valor da meta: R$ 779.503,82
DESCRIÇÃO: Estruturar a equipe do instituto EcoVida para trabalhar no Projeto
META Nº 2Valor da meta: R$ 114.923,64
DESCRIÇÃO: Integrar a população urbana e turística de Cabo Frio ao projeto
META Nº 3Valor da meta: R$ 187.037,36
DESCRIÇÃO: Recuperar a área degradada com o plantio de 6.500 mudas
META Nº 4Valor da meta: R$ 425 mil
DESCRIÇÃO: Restauração do deck e do observatório/mirante
META Nº 5Valor da meta: R$ 122.743,18
DESCRIÇÃO: Conter a ocorrência de acessos e ocupações irregulares
Valor total do repasse: R$ 1.629.208 Número de parcelas: 1

Ainda segundo o dossiê acessado pelo RC24h, a equipe seria formada por um coordenador geral (MEI); um coordenador técnico (MEI); um auxiliar administrativo (MEI); um técnico do viveiro/ botânico (MEI); um encarregado (CLT); quatro serviços gerais (CLT); dois estagiários (TCE); uma assessoria e gestão jurídica financeira, jurídica e contábil; além de equipamentos e EPIs e dos encargos sobre o CLT.

Uma equipe do Portal esteve no Dormitório das Garças na tarde desta terça-feira (4), para apurar as denúncias de que o dinheiro investido no local não teria sido pago e não encontrou nem a metade dos funcionários prometidos pelo Instituto. Inclusive, funcionários estavam precisando ocupar cargos de outros, que estavam de folga.

Veja detalhadamente os valores empregados:

QuantidadeCargoVínculoSalário
1Coordenador Geral 30h/s Microempreendedor individual (MEI)R$ 5 mil
1Coordenador técnico 30h/sMicroempreendedor individual (MEI)R$ 4,8 mil
1Auxiliar administrativo 30h/sMicroempreendedor individual (MEI)R$ 4,1 mil
1Técnico do viveiro/ botânico 20h/sMicroempreendedor individual (MEI)R$ 3,8 mil
1Encarregado 40h/sConsolidação das Leis do Trabalho (CLT)R$ 2,8 mil
4Serviços gerais Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)R$ 1,4 mil
2EstagiárioTermo de Compromisso de Estágio (TCE)R$ 700
1Equipamentos e EPIsR$ 4 mil
1Assessoria e Gestão Financeira, Jurídica e ContábilContratoR$ 255.215
Encargos sobre CLT
R$ 214.272

No projeto apresentado ao Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Ecovida fez questão de pontuar como uma questão a ser resolvida a falta de educadores ambientais, destacando que isso resulta em práticas danosas da comunidade, elevando a degradação ambiental.

E, de fato, é algo necessário. O que causa estranheza é a quantidade demandada no plano de aplicação detalhado, no qual apresenta a necessidade de 80 profissionais, todos custando R$ 275. O custeamento total dos quase 100 educadores é de R$ 22 mil.

Além disso, no plano de aplicação detalhado, consta que o Instituto está direcionando a quantia de R$ 30 mil para dez assessores de imprensa, com cada um recebendo R$ 3 mil. O objetivo, no caso, seria para a divulgação do projeto. Entretanto, nenhuma dessas pessoas foi identificada no local.

Divulgação e banners

Inclusive, no plano de trabalho, são apresentados os valores dos itens de divulgação, que, somados, chegam a R$ 88.622,50. Dentre estes, estão inclusas 1.250 camisetas personalizadas, 3 mil lápis semente personalizados, 1.250 ecobags de algodão, entre outros. Mas não para por aí, não. O objetivo, no caso, é divulgar a realização de todas as ações do projeto para 1.200 pessoas.

Ao que aparenta, a pretensão seria fazer tudo em grande estilo, com quatro novos banners na entrada e uma placa de inauguração. Isso, somado, conforme o orçamento apresentado no plano, está avaliado em R$ 1.060. O problema é que, no local, nenhum desses banners, brindes, ou, até mesmo placa, foram identificados no parque.

Um ponto importante a ser mencionado é que, na documentação, consta que o objetivo dos itens, principalmente dos brindes, é divulgar. No momento em que a equipe do Portal visitou a localidade, um grupo de crianças fazia o mesmo e, na hora de ir embora, nada foi entregue. Além disso, o funcionário avistado do parque utilizava uniforme da prefeitura.

Essas ações fariam parte da meta número dois, que, na teoria, tem como objetivo integrar a população urbana e turística de Cabo Frio ao projeto.

Confira os gastos detalhados:

QuantidadeCompraValor
2Banner de Lona 1.000X2.000 com tripéR$ 223
2Banner de Lona com ilhões 1.000X3.000 R$ 157
1Placa de inauguração R$ 300
1.250Camisas personalizadasR$ 33,65
3 milLápis semente personalizado R$ 3,75
1.250Ecobag algodão cru 36,5 cm personalizadaR$ 25
R$ 1
Total
R$ 88.622,50

No local, não há sequer uma placa avisando que o parque está passando por obras. E não é só isso que causa estranheza nos arredores do parque.

O estado das grades de arame, também inclusas no orçamento, preocupa, principalmente porque, dentre as metas estabelecidas pelo projeto, consta a contenção da ocorrência de acessos e ocupações irregulares.

Vale destacar que as obras já estão na metade e, de acordo com o cronograma de desembolso do Meio Ambiente, todo o repasse foi realizado em fevereiro deste ano. Além disso, de acordo com o plano de aplicação detalhado, o orçamento destinado ao material para o cercamento, avaliado em R$ 122.743,18, é “mais em conta” do que o valor destinado para estruturar a equipe do Instituto Ecovida para atuar no projeto. A diferença é de R$ 626.343,82.

Além disso, notas fiscais acessadas pela reportagem indicam que os mourões já foram comprados.

Confira detalhadamente os valores:

QuantidadeCompraValor
3.251R$ 30,18
400R$ 4,08
40R$ 574,90
Total
R$ 122.743,18

Apesar disso, buracos são identificados com frequência na grade de arame, sem contar as madeiras velhas e o lixo, que também é um problema evidente no Dormitório das Garças, tanto na parte externa, quanto na interna.

Interior “caindo aos pedaços”

Na proposta feita pelo Instituto Ecovida ao Ministério do Meio Ambiente, a reforma do deck e do observatório são dois dos principais fatores a serem resolvidos no Dormitório das Garças. De acordo com o documento, os problemas ocorreram por conta da “compactação do solo, erosão e visitação frequente”, prejudicando a realização de atividades de educação ambiental no parque.

O problema é que praticamente nada foi feito. Algumas madeiras do deck foram trocadas, outras reutilizadas. Sem contar com a pilha delas que foi encontrada próximo ao banheiro do parque, sendo algumas novas e outras antigas, ainda com pregos – apresentando perigo para quem frequenta o local. Lembrando que junho é o mês do Meio Ambiente, não apenas esta quarta-feira, então o número de visitações tende a aumentar nos próximos dias, principalmente de escolas.

Conversando com frequentadores do parque, a equipe do Portal recebeu informações de que as madeiras estariam ali, sem função, desde o início do ano.

Já o observatório, que durante muitos anos foi considerado um atrativo para moradores, turistas e amantes das aves, segue desmontado. Ele deve ser realocado, entretanto, sem previsão para que isso ocorra.

Outro ponto observado pela reportagem foi o estado dos guarda-corpos. Na maioria das partes, as madeiras encontram-se totalmente bambas e com pregos soltos. Conforme os documentos acessados pelo RC24h, o valor destinado à reforma do deck e observatório é de R$ 425 mil.

Essas reformas fariam parte da meta número quatro, que, teoricamente, tem como objetivo restaurar o deck e o mirante.

Sem mencionar o que não existe. No plano de trabalho, dentro da meta número três, que é recuperar a área degradada com o plantio de 6.500 mudas, consta um tópico que é a implementação de um viveiro de restinga com estufa de 54m².

Por mais que a ação ainda esteja no prazo, conversando com funcionários e frequentadores do parque, a reportagem descobriu que essa informação nunca correu o local. As pessoas sequer têm conhecimento do que se trata a “tal estufa”.

E ainda falando sobre a recuperação da área degradada, a justificativa dada pelo Instituto Ecovida ao Ministério do Meio Ambiente para a compra de novas mudas foi que “a invasão de espécies não nativas prejudicam a biodiversidade do mangue, suprimindo as nativas e alterando o ecossistema, impactando sua fauna e flora”. O problema é que nenhum novo plantio foi identificado – pelo contrário. Plantas danificadas, cortadas e, até mesmo, pichadas são encontradas no parque – especialmente na trilha.

O valor destinado à compra das 6.500 mudas de manguezal e insumos para o plantio é de R$ 141.382. Já o orçamento empregado para o maquinário e ferramentas para a manutenção dos mesmo é de R$ 15.255,36. Nenhum dispositivo foi encontrado no parque.

Ainda no plano de aplicação detalhado, consta aplicações de uma cadeira de rodas para areia, no valor de R$ 4.301,14, e um kit com seis rádios comunicadores, orçado em R$ 416,82.

Em relação à cadeira de rodas, não foi possível saber se havia uma disponível no parque. Entretanto, em relação aos rádios comunicadores, foi possível notar funcionários se deslocando de um ponto ao outro, devido à falta dos mesmos.

E o básico?

Além disso, em que pese o orçamento milionário, conforme apurado, alguns itens básicos como papel higiênico e copos descartáveis para visitantes e funcionários faltam no local. Placas de identificação das espécies nativas, itens que não constam no orçamento, também encontram-se quebradas.

Latas de lixo sem tampa também são frequentes na localidade, sem contar com vasos e pias quebradas.

Questionamentos

O Portal entrou em contato com todos os mencionados na reportagem, tendo dificuldade, apenas, para contatar Rosalice Fernandes, cujo número de telefone, aparentemente, foi trocado. O espaço segue aberto para pronunciamento, caso a ex-secretária e atual coordenadora do Instituto Ecovida de Cabo Frio assim desejar.

Até o momento, apenas o Instituto retornou os questionamentos, destacando que “responderá amanhã, pois está em um compromisso em Brasília”.

Já a prefeitura informou que solicitou limpeza do local à Comsercaf. Aos demais, o espaço segue aberto para esclarecimentos e posicionamentos.

O Portal também tentou contato com a assessoria de imprensa do projeto do Dormitório das Garças, contudo, não obteve sucesso.

Sobre o Dormitório das Garças

O Parque Natural Municipal Dormitório das Garças foi estabelecido pela Lei 1.596 em 29 de novembro de 2001, e é um ecossistema de manguezal de importância especial, localizado no início da maior laguna hipersalina do mundo, que permanece aberta o tempo todo.

A área é o lar de cerca de 1.400 garças brancas, além de colhereiros sazonais e outras 39 espécies de aves. Principalmente composto por siriubal (mangue negro), o parque cobre uma área de aproximadamente 215.000 m², sem receber aporte regular de água doce, apresentando relevo plano, clima seco, alta exposição solar, baixa pluviosidade e ventos constantes.

Redação
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