Em delação, ex-secretário de Saúde do Rio diz que governador em exercício participava de desvios

Detalhes estão em anexo de documento obtido pelo GLOBO com exclusividade. Em trecho, Edmar Santos conta que esteve no gabinete do presidente da Alerj, André Ceciliano (PT), para tratar do assunto


Em seu acordo de delação premiada, o ex-secretário estadual de Saúde Edmar Santos afirmou que o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, André Ceciliano (PT-RJ), deixou claro em uma conversa que parte dos R$ 100 milhões doados pelo Legislativo para o combate ao coronavírus seria desviada a partir de um esquema de transferência de valores a prefeituras do interior, sob a influência dos deputados da Casa. O dinheiro da propina seria, de acordo com Edmar, dividido com o então vice-governador, Cláudio Castro, que substituiu Wilson Witzel no cargo, e com o ex-secretário estadual da Casa Civil André Moura (PSC), que hoje atua no escritório de representação do estado em Brasília.

Os detalhes estão no anexo 31 do documento, obtido pelo GLOBO com exclusividade. Nesse trecho da delação, Edmar conta que esteve no gabinete de Ceciliano para tratar do assunto. Toda a movimentação de recursos seria estruturada em cima de excedentes dos duodécimos da Alerj — valor transferido pelo Tesouro Estadual para o custeio do órgão. Diante das dificuldades de caixa do Executivo, a Assembleia propôs doar as sobras. Mas, agora, o ex-secretário de Saúde alega ter sido uma manobra para beneficiar o esquema de desvio de verbas da Saúde durante a pandemia.

Briga por verba

A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que Ceciliano procurou Edmar para garantir que o dinheiro chegaria a alguns municípios, “evidenciando que a estratégia tinha por objetivo maior atender aos interesses espúrios do grupo criminoso”.

O dinheiro, contou Edmar, saía da Alerj para o caixa da Secretaria estadual de Saúde e, de lá, era transferido para municípios indicados por parlamentares. Como o GLOBO mostrou em reportagem publicada esta semana, 87 cidades foram beneficiadas com repasses de cerca de R$ 1 milhão para construir centros de triagem voltados a pacientes com Covid-19. Já se sabe que muitas dessas cidades não fizeram as obras.

Edmar disse que ouviu do próprio Ceciliano que havia uma divisão de propina e que ele acredita que parte desses recursos voltava em dinheiro vivo para políticos. Ele relatou um episódio em que foi chamado por Ceciliano para resolver um impasse. A Alerj queria encaminhar R$ 25 milhões para Duque de Caxias, o que seria um pedido do deputado estadual Márcio Canella (MDB), mas o então secretário André Moura teria avisado ao presidente da Alerj que não havia mais recursos.

Deputado aos gritos

O depoimento de Edmar, tratado como colaborador a partir da delação, detalha essa reunião no gabinete de Ceciliano. Nela, Canella, segundo o ex-secretário de Saúde, entra na sala “furioso” gritando que “sairia da base do governo por não ter sido atendido”. Edmar, no entanto, não acusa Canella de ter recebido propina.

Ainda na versão de Edmar, Canella deixou o gabinete e, em seguida, foi chamado o deputado estadual Rodrigo Bacellar (SD-RJ), que seria emissário de Ceciliano para tratar do assunto. Foi na presença de Bacellar que teria ocorrido o diálogo sobre divisão de propina. Nesta conversa, Ceciliano manifesta descontentamento com André Moura e com Cláudio Castro, deixando claro que os dois participavam do esquema ilícito, chegando a propor que deixaria de fazer pagamentos aos dois e que Edmar se tornaria o único beneficiário dos valores, se ele o ajudasse a receber o dinheiro. Edmar disse ter deixado a sala sem responder se aceitava ou não a proposta.

Edmar falou ainda sobre um encontro com André Moura em que ele perguntou ao então secretário quais os motivos para tanta pressa na liberação dos recursos e se Witzel estava ciente e tinha interesse nesses repasses para as prefeituras. De acordo com o ex-secretário, André Moura respondeu que sim e, ao mesmo tempo, esfregou os dedos, num gesto que fazia menção a dinheiro. Para ele, isso dava a entender que Moura seria intermediário de Witzel e passaria para ele recursos ilícitos. Em sua delação, Edmar conta que o esquema de desvio na Saúde foi instalado antes do início da pandemia, em 2019.

Em junho, a Operação Tris in Idem, determinada pela PGR, cumpriu mandados de busca e apreensão nas residências de Cláudio Castro, hoje governador em exercício, de André Moura e de André Ceciliano, mas a PGR não pediu o afastamento deles. O presidente da Alerj conduziu a votação do impeachment de Witzel, na terça-feira. O relator do processo foi Rodrigo Bacellar.

Castro nega acusações, assim como Witzel e outros citados

O governador em exercício Cláudio Castro afirmou, por meio de sua assessoria, que não tem conhecimento dos fatos relatados por Edmar e negou qualquer envolvimento com irregularidades. Castro assumiu o comando do estado no último dia 28, quando Wilson Witzel foi afastado do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O advogado de Claudio Castro, Carlo Luchione, diz que “Edmar Santos faz ilações tentando subverter  lícita relacao institucional e sobre inexistentes tratativas de distribuição de duodécimos, com o chefe do poder  legislativo”.

O presidente da Alerj, André Ceciliano, que também foi citado por Edmar, disse que as acusações são “mentirosas”. Segundo ele, “a cada momento, novas e contraditórias versões da delação do réu confesso Edmar são noticiadas, na tentativa desesperada de reduzir sua pena”. Em nota, o deputado afirmou que nunca se reuniu com o ex-secretário para tratar de assuntos que não fossem do interesse da população do Rio.

Ceciliano disse que ainda que os repasses das sobras dos duodécimos da Alerj para saúde foram feitos “com o único objetivo de ajudar os municípios no enfrentamento à pandemia da Covid-19”.

A defesa do governador afastado Wilson Witzel, também citado, afirmou que ele nega “veementemente” o recebimento de propina do suposto esquema da Alerj e afirma que Edmar apenas “intui” que os recursos seriam repassados a ele, sem apresentar provas.

Já o deputado Márcio Canella afirmou que sempre manteve “relação republicana” com outras autoridades públicas. “Sempre solicitei e continuarei solicitando a todo secretário de estado melhorias e serviços dignos a toda população da Baixada Fluminense”, respondeu.

Em nota, André Moura, que hoje ocupa o cargo de secretário de Representação do governo do Rio em Brasília, afirmou que “desconhece qualquer suposto esquema citado em delação e nega qualquer tipo de envolvimento”. A defesa deputado Bacellar não respondeu.

O deputado Rodrigo Bacellar afirmou que sua atuação na solicitação de verbas a municípios “sempre se direcionou ao atendimento dos municípios que tanto necessitam de socorro financeiro nesta área. Atuei de maneira republicana em defesa da saúde dos cidadãos”.

Mais uma delação a caminho

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), homologou a delação premiada do empresário Marcus Vinícius Azevedo da Silva, ex-assessor do governador em exercício Cláudio Castro. No acordo, ele relata um esquema de corrupção na Fundação Leão XIII, área que era subordinada a Castro quando ele era vice-governador.

O acordo foi assinado com a PGR, porque envolve parlamentares com foro no STF. Trechos da delação sobre autoridades sem foro no Supremo serão remetidos para a Justiça do Rio.

A Fundação Leão XIII é alvo de da Operação Catarata, do Ministério Público e da Polícia Civil do Rio, que detectou desvios em contratos. No último dia 11, foram presos o então secretário de Educação Pedro Fernandes, a ex-deputada Cristiane Brasil e empresários.A defesa do governador em exercício Cláudio Castro disse que não se manifestaria porque não tem conhecimento do teor da delação.Procurado, o advogado de Marcus Vinícius, João de Baldaque Mestieri, não quis comentar.

*com informações d'O Globo

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