Escutas revelam esquema de suspensão de fornecimento de sangue em hospital da Região dos Lagos

Hospital Estadual Roberto Chabo, em Araruama, Hospital Estadual dos Lagos, em Saquarema; e a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), em São Pedro da Aldeia, estão envolvidos em esquema criminoso


Funcionários da Cruz Vermelha do Rio Grande do Sul, investigados na Operação Calvário, aparecem em escutas telefônicas autorizadas pela Justiça conversando sobre a suspensão do fornecimento de sangue em um hospital estadual em Saquarema, na Região dos Lagos.

A operação prendeu 11 pessoas, em dezembro do ano passado, que faziam parte de um esquema de corrupção que desviou R$ 15 milhões de hospitais e postos de saúde do Rio de Janeiro.

A corrupção denunciada pelo Ministério Público Estadual joga luz sobre os problemas enfrentados pelas unidades de saúde no Rio.

Nas conversas, os funcionários comentam a suspensão do fornecimento de sangue para o Hospital Estadual dos Lagos, em Saquarema.

Funcionário: “O HemoRio está suspendendo o fornecimento de sangue lá pro Complexo”

Funcionária: “Uhum”

Funcionário: “Está sabendo?”

Funcionária: “Estou sabendo”

Funcionário: “E aí?”

Funcionária: "Não sei. Está com um monte de nota em aberto. Ninguém bota isso pra pagar. O Daniel acha que é melhor pagar empresa do que pagar HemoRio. Não sei o que fazer não, sinceramente. Isso já não é a primeira vez, já conversei com ele. E infelizmente ele não tem entendimento.

Em um outro trecho, eles comentam o fato de a Cruz Vermelha não cumprir com as obrigações contratuais, como a contratação de médicos, enfermeiros e técnicos.

Funcionária 1: “O termo mínimo fala de faxineiro?

Funcionária 2: “Não, mas fala de quantidade de enfermeiro, de quantidade de técnico, que a gente não cumpre”

Funcionário: “É. Não cumpre porque não quer cumprir. Distribuiu o dinheiro para outros lugares. É por isso”

Funcionária 1: “Toda semana tem três ofícios de cada unidade”

Funcionário: “Por quê? Porque a gente não cumpre o que está no termo de referência. Aí não cumpre, eles botam ofício em cima. Está faltando médico, tá faltando não sei o que lá.

Funcionária 1: “Eu não tenho justificativa pra isso”

Funcionário: “Ninguém tem”

Segundo o promotor de Justiça Eduardo Santos de Carvalho, a organização criminosa atuava através de Organizações Sociais (OS). Nesse caso, as Organizações Sociais são a filial gaúcha da Cruz Vermelha e um instituto do Rio de Janeiro chamado IPCEP. As duas organizações administravam hospitais e postos de saúde no município do Rio e em outras cidades do estado.

Nesse esquema, atua o filho de um personagem denunciado pelo repórter Eduardo Faustini, do Fantástico, sete anos atrás: David Gomes.

David era dono da Toesa Service, uma das empresas denunciadas pelo Fantástico em 2012, em uma reportagem que mostrou como prestadores de serviço corrompem gestores de hospitais. Agora, o filho de David, Daniel Gomes da Silva, é apontado pelo Ministério Público como o cabeça do esquema criminoso.

“O comandante dessa organização era o Daniel Gomes da Silva, que já havia sido dirigente da Toesa Service anteriormente e agora estava operando através de Organizações Sociais, tendo se infiltrado na Cruz Vermelha filial do estado do Rio Grande do Sul”, explicou o promotor Eduardo de Carvalho.

Daniel Gomes da Silva chegou a fazer parte do Conselho Nacional da Cruz Vermelha. A lista de hospitais e postos de saúde nas mãos da quadrilha era grande: são contratos vigentes entre 2011 e 2018.

O Ministério Público diz que, na Região dos Lagos, a Organização Social controlava o Hospital Estadual Roberto Chabo, em Araruama, o Hospital Estadual dos Lagos, em Saquarema, e a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Pedro da Aldeia.

No Rio de Janeiro, a OS administrava o Hospital Municipal Albert Schweitzer e as UPAs de Botafogo, Engenho de Dentro e Magalhães Bastos, e era responsável também pela UPA de Itaboraí, na Região Metropolitana.

“A organização criminosa basicamente funcionava através da subcontratação de serviços junto a empresas que eram associadas ou até mesmo controladas pelo comandante, o Daniel Gomes da Silva, que tinham com ele um acerto para devolução de parcela dos valores pagos, que então eram ou apropriados pelo próprio Daniel ou eventualmente repassados agentes públicos e políticos”, disse o promotor.

Daniel Gomes da Silva foi preso pela Polícia Federal dentro de um avião no Aeroporto Internacional do Rio, quando voltava de Portugal, em dezembro de 2018.

Na casa de Davi Gomes, pai de Daniel, o Ministério Público encontrou R$ 1,2 milhão. Ao todo 11 pessoas foram presas no Rio na Operação Calvário. Entre elas, empresários acusados de fazer parte do esquema.

“A gente tem diagnosticado no MP do Rio de Janeiro que quem se lança nessas missões de atender a saúde pública como organização social de saúde via de regra estão mal intencionados com o dinheiro público”, destacou o promotor de Justiça Sílvio de Carvalho Neto.

Em nota, a Cruz Vermelha brasileira diz que "o réu Daniel Gomes da Silva foi afastado do Conselho Nacional da instituição". A nota diz também que "as empresas prestadoras de serviços, suspeitas de participar de um esquema de fraudes foram substituídas e tiveram os contratos rescindidos".

O advogado de Daniel diz que vai provar a inocência dele.

O Governo do Rio informou que iniciou auditoria nos contratos das Organizações Sociais e a Prefeitura do Rio diz que está apurando o "dano real aos cofres públicos, que tem por objetivo a devolução de todos os valores".

O diretor executivo do IPCEP diz que uma diretora e um conselheiro foram afastados.

David Domes, o pai de Daniel, foi investigado, mas não denunciado.

 

 

*Fonte: G1 Rio.

Categorias: Saúde

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