Resgate de feridos, interrogatório, arremessos de facas e granadas e prática de arco e flecha. Cada uma dessas atividades faz parte da "Experiência do Bope", um pacote turístico inspirado na rotina do Batalhão de Operações Especiais, tropa de elite da Polícia Militar. O evento vai acontecer num hotel de luxo em Búzios, de sexta-feira (8) a domingo (10).
Pelo direito de ser "caveira" por um fim de semana, o interessado, de acordo com um site de hotéis, tem que desembolsar R$ 999, valor para dois adultos. Crianças de até 11 anos também podem participar e não pagam. A hospedagem é por fora — o apartamento triplo custa R$ 1.569, que podem ser parcelados em 12 vezes sem juros.
O major Ivan Souza Blaz Junior, porta-voz da PM, e Luciano Pedro Barbosa da Silva, da mesma patente, se apresentam como os responsáveis pela iniciativa. Pela internet, o próprio Blaz afirma ter constituído a SK EX Gestão e Aceleração de Equipes, mas ontem não respondeu se é sócio da empresa. Pelo nome, não foi possível localizar o CNPJ ou composição societária da firma. Pelo Código Penal Militar, eles podem ser sócios de empresas, mas não sócios-gerentes.
O evento que explora o conceito de turismo de experiência é vendido em parceria com um site de hotéis. Além das atividades com os "caveiras", os compradores também têm direito a alimentação completa, kit de boas-vindas (mochila, boné, camisa, caneta e chocolate, entre outros mimos). Também está previsto um show que segue a proposta original de pegar carona na popularidade do Bope: o convidado é o cantor Egypcio, ex-integrante do Tihuana, grupo que ficou famoso com o refrão "Tropa de elite/ Osso duro de roer", tema do filme "Tropa de elite", de José Padilha, lançado em 2007.
'IRMÃO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS'
Na página sobre a Skull Experience, é possível acessar informações sobre o pacote. Nela, o evento é descrito como sendo a "aventura operacional que você esperava — Experiência caveira". Em seu perfil pessoal numa rede social, em que o porta-voz da PM costuma tratar de questões relacionadas à sua atividade profissional dentro da corporação, Ivan Blaz diz ter constituído, com Luciano Pedro, seu "irmão de Operações Especiais" — que o evento apresenta como subcomandante do Bope — a SK EX Gestão e Aceleração de Equipes. Ele explica que, atualmente, a Skull Experience oferece um evento que combina palestras e atividades de campo com o objetivo de traçar um paralelo entre "a ação de Operações Especiais e o mundo corporativo". O processo é chamado de "imersão no universo caveira". Há ainda uma postagem no Instagram, feita cinco meses atrás, informando que a parceria empresarial teve início em 2013, quando "uma ideia de mesa de bar virou realidade".
COMDANDANTE QUER APURAÇÃO DE CORREGEDORIA
O comandante-geral da Polícia Militar, coronel Wolney Dias, vai solicitar à Corregedoria da corporação que faça uma apuração sobre o uso do nome Bope por dois oficiais para vender treinamentos a civis, a chamada "Experiência Bope". A Corregedoria deverá apurar também se os oficiais são sócios-gerentes da empresa, o que é vedado pelo Código Penal Militar.
— Todas as vezes que esse tipo de notícia chega a um comando, o caso é apurado para verificar se o policiai infringiu as normas penais e estatutárias. A legislação penal militar e estatutária prevê situações em que o policial militar pode exercer qualquer atividade extra. Pode ser sócio de empresa, desde que não seja sócio-gerente nem exerça a atividade — afirma Wolney.
De acordo com o comandante, o caso será encaminhado à corregedoria interna da corporação. Caso haja indício de crime, será instaurado um Inquérito Policial Militar (IPM). No caso de ser constatada apenas uma transgressão, o caso será submetido a uma sindicância.Para Wolney, o caso expõe a necessidade de se abrir uma discussão sobre as atividades extras que os policiais militares podem exercer.
— Entendo que a legislação precise ser revista, porque, com a licença do RAS (Regime Adicional de Serviço) e Proeis (Programa Estadual de Integração na Segurança), em que o policial militar pode trabalhar na folga, tudo isso tem que ser discutido. Temos que considerar o seguinte: vamos considerar que a prática seja ilícita, porém não é imoral. Um policial de folga trabalhando para complementar seu salário. Acho que tudo isso tem que ser avaliado. É até uma possibilidade para suscitar a discussão. Principalmente em um momento em que as pessoas passam por uma dificuldade financeira maior, que possam durante seu período de folga exercer uma atividade, desde que lícita — diz o comandante.
Atualmente, a PM, responsável pelo policiamento ostensivo, vive uma das suas piores crises, no rastro dos problemas financeiros do estado. Embora os salários dos servidores da segurança pública estejam sendo priorizados, metade das viaturas policiais está parada por falta de verba para manutenção.
CÓDIGO PENAL MILITAR FAZ RESTRIÇÕES
De acordo com o advogado criminalista Fabrício de Oliveira, do escritório Oliveira Campos & Giori Advogados, militares podem ser acionistas de empresas, desde que não sejam os administradores. O oficial que descumpre a norma comete crime previsto no Artigo 204 do Código Penal Militar. Já o Estatuto dos Militares, no Artigo 29, prevê sanção administrativa para oficiais e praças da PM que não seguem a regra.
— Ele (militar) só pode participar como acionista. Não pode exercer funções gerenciais, participar da gestão — explica o advogado.
No site da Skull Experience, no campo "onde nos encontrar", é informado um endereço na Barra da Tijuca. O major Luciano Pedro aparece como responsável pelo registro do domínio da página da empresa na internet. Mas é o e-mail de Blaz que consta como principal contato no registro.
*matéria de O Globo