Escutas revelam esquema na Ecatur que desviou R$ 10 milhões em Arraial

Diálogos gravados pela PF revelam poder de Chico, recentemente condenado a 134 anos de prisão


Cerca de R$ 10 milhões foram desviados da Prefeitura de Arraial do Cabo pela quadrilha que, de acordo com as investigações, fez da Empresa Cabista de Turismo (Ecatur) um entreposto do crime organizado dentro do governo municipal, durante a gestão do ex-prefeito Wanderson Cardoso de Brito, o Andinho (PMDB) – 15 integrantes do grupo foram condenados a mais de 420 anos de prisão. O montante é quase o dobro da folha de pagamento do município, que está em torno de R$ 5,3 milhões. Hoje, com o estado de penúria dos cofres municipais, há servidores que chegam a amargar dois meses de salários atrasados.

 

Na sentença do juiz Marcio da Costa Dantas, da 2ª Vara Penal de São Pedro da Aldeia, constam diálogos interceptados que mostram a forma como o bando se organizava. Em um deles, Francisco Barboza, o Chico da Ecatur, pai do traficante Eduardo Freire Barboza, o Cadu Playboy, dá ordens de dentro do presídio, onde tinha acesso pleno a aparelhos de celular, no dia 29 de setembro de 2015, às 19h25. Ele falava com Victor Pimentel, operador da organização criminosa, e externava o medo de que Sérgio Evaristo Aguiar, o Vivi (foto ao lado), ex-subsecretário municipal, fosse levado para o presídio em Japeri.

 

 

Chico – oi, tá onde?
Victor – tô rodando aqui
Chico – deixa eu te falar, tu vai em Vivi, cara, e fala que o negócio é serio.
Victor –  falar com ele de novo?
Chico –  é, de novo, se precisar você vai lá que eu vou falar com ele. O negócio é sério, meu irmão.
Victor – entendi
Chico –  tô preocupado de nego mandar ele pra Japeri mesmo cara. (inaudível). Tem que passar isso pra ele, tem que saber que não foi resolvido, não.

 

 

O processo é fundamentado em 602 páginas que trazem detalhes como postagens de Facebook, usadas como prova de doação de dinheiro de Chico da Ecatur para um time de futebol de salão, por exemplo, mesmo estando preso. Chico foi preso no início de 2015, na Operação Dominação I, cujo alvo era o filho do presidente da Empresa Cabista de Turismo. Mas, ao investigar o filho, os promotores descobriram ao longo das investigações que Chico não só era uma espécie de ‘testa de ferro’ do filho, mas a figura que juntou o dinheiro do crime organizado com o público.  A partir daí, o Ministério Público e a Polícia Federal desencadearam a Dominação II.

 

Chico está preso na Penitenciária Federal de Segurança Máxima de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, desde maio de 2016. Ele foi transferido após a polícia descobrir que comandava um plano para matar autoridades do Ministério Público e políciais envolvidos na investigação.

 

Na sentença, o juiz explica que, como não tinha receitas próprias, a Ecatur recebia através de repasses ilegais da Prefeitura. Quando aconteciam atrasos, integrantes do grupo que ocupavam cargos no primeiro e segundo escalão do governo faziam pressão para a liberação de recursos para a autarquia. Ainda de acordo com a sentença, as negociações envolviam Victor Pimentel, Agnaldo Luis, presidente da Ecatur e Claudio Sergio, subsecretário municipal. Um relatório da  Polícia Federal traz um diálogo em que Sérgio intermediava um conversa entre Agnaldo e Andinho.

 

 

Sérgio – Alô..
Victor – E aí, meu amigo.
Sérgio – Fala, meu amigo.
Victor – E aí, rapá.. você precisa resolver com o homem aí rapá.
Sérgio – Já resolvi.
Victo – Zezé falou que num num...
Sérgio – Já resolvi. É, Agnaldo tem que vir aqui. Mandei Beço ir aí. Falar com Agnaldo para Agnaldo vir aqui para falar com ele.
Victor – Ele está aí?
Sérgio – Quem?
Victor – (Victor, que está ao lado de Agnaldo, diz para Agnaldo ir lá, que estão o chamando).
Victor – Você bota Agnaldo para dentro?
Sérgio – Claro. Andinho mandou ele vir aqui. Andinho vai falar com ele.
Victor – (Victor, que está ao lado de Agnaldo, fala para ele que Andinho o mandou ir lá).
Sérgio – Já conversei tudo com Andinho.
Victor – Tá, resolve isso aí, rapaz.
Sérgio – Já está resolvido. Já está resolvido.
Victor – Você é o cara.
Sérgio – Ahh, bem.

 

 

Pouco depois, prossegue o relatório da Polícia Federal, Victor conversou novamente com Sérgio. Irritado, disse que estava na Ecatur e que nada estava resolvido. Ele afirmou ter falado com Zezé, então secretário de Fazenda, e que este ainda veria o que restaria para a Ecatur. Sérgio insiste que Agnaldo vá lá, pois já havia falado com o prefeito Andinho e que tudo seria pago (da Ecatur), inclusive as “coisas do amigo”.

 

 

Prossegue o diálogo:
Victor – Alô.
Sérgio –  Ladrão?
Victor – Fala Sérgio.
Sérgio –  Você está onde?
Victor – Ecatur.
Sérgio – Agnaldo resolveu a situação? Está tudo certinho?
Victor – Não está nada resolvido. Zezé falou que ainda vai ver a planilha, o que vai sobrar ainda para Ecatur.
Sérgio – Olha só, Zezé é uma coisa. Manda Agnaldo vir aqui porque já passei tudo para Andinho.
Victor –  Diz para Agnaldo (que está ao lado) que Andinho está esperando por ele...
Sérgio – Não posso falar por Agnaldo. Não sou presidente da Ecatur. Eu conversei tudo que tinha que conversar, tudo... Andinho mandou Agnaldo vir aqui.
Victor – Inclusive você falou das coisas do amigo lá (Chico), que o amigo pediu que tem que resolver.
Sérgio – Falei, e ele mandou pagar tudo.
Victor – Vai mandar pagar tudo?
Sérgio – É, ele falou para mim, entendeu... 
Victor – Entendi.

 

 

A equipe de reportagem da Folha dos Lagos entrou em contato com o ex-prefeito Andinho para ouvi-lo a respeito das gravações, mas ele não atendeu as ligações até o fechamento desta edição.

 

*Matéria da Folha dos Lagos

Categorias: Política

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