Faróis da Ilha do Cabo Frio serão abertos para visitação em março no município de Arraial do Cabo

Excursões começam em março e serão acompanhadas pela Marinha


Do alto dos 395 metros da Ilha do Cabo Frio, em Arraial do Cabo, é possível ver uma pequena estrutura que a olho nu muito se assemelha a uma caixa d’água abandonada. A construção, no entanto, além de histórias, guarda uma vista de 360 graus do mar azul-turquesa de Arraial, de suas praias e de outras cidades da Região dos Lagos. Desconhecido de grande parte da população, o Farol Velho, construído no ano de 1836, ainda carrega resquícios dos quase dois séculos que atravessou. E em março, a trilha que chega até ele, de aproximadamente duas horas, vai receber placas e manejo para atender os visitantes interessados em conhecer as ruínas do farol e da casa do faroleiro. Haverá também caminhadas rumo ao farol novo, localizado em um ponto mais baixo da ilha, em cima de um antigo vulcão. Essa é a primeira vez que a Marinha, responsável por guardar o local, possibilitará visitas guiadas e abertas ao público.


— Vamos abrir para a visitação em março. A intenção é que os passeios ocorram de 15 em 15 dias, uma vez no farol velho e outra no novo. São lugares que estão sob a responsabilidade da Marinha, mas acreditamos que divulgar a História é interessante — revela o contra-almirante Marcos Almeida, diretor do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM).


Para chegar até os faróis, sempre foi preciso autorização dos militares. A ilha serve como laboratório natural devido a sua rica biodiversidade. Por isso, pesquisadores são os que mais recebem autorização para desembarcar no local. A população civil pouco tem acesso, ficando restrita a passeios de barcos coletivos até a praia da ilha — que nada deixa a desejar, já que as areias brancas e o mar de cor caribenha são atrativos que encantam qualquer um.


Para chegar ao Farol Novo é necessária uma caminhada de cerca de 40 minutos, bastante acessível, com intensidade de moderada à leve. O caminho é largo, mas há o risco de encontrar cobras. Já a trilha para o Farol Velho é longa e íngreme. São três quilômetros, ou quase duas horas de subida até os 71 degraus que levam às ruínas, e depois mais 15 até o topo da construção de dez metros de altura. O visual, no entanto, compensa todo o esforço. A volta é mais rápida, apesar de exigir muito dos joelhos. O preço das visitas, que vão começar no início de março, ainda não foi definido. Os dias serão divulgados no Museu Oceanográfico, no site do IEAPM (ieapm.mar.mil.br) e nas redes sociais (facebook.com/ieapm.mb).


TRILHA DO FAROL VELHO


As duas horas de trilha até o topo do Farol Velho são embaladas por uma longa explanação sobre a história do local. O ponto de partida é em Maramutá, uma enseada da ilha que abriga um antigo quartel. A maior parte do caminho é pela mata fechada, apesar de ser fácil identificar a variação entre a restinga, com seus cactos, e a Mata Atlântica. Logo na primeira meia hora de caminhada, numa região pedregosa, um enxame de marimbondos torna o percurso mais perigoso. Um novo caminho neste trecho deve ser aberto pela Marinha.


O vice-diretor do Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira (IEAPM), o capitão-de-Mar-e-Guerra Davi Canabarro, e o gestor ambiental, Antonio Ciorra, um ex-oficial da Marinha que será um dos responsáveis por levar os visitantes depois que houver o manejo da trilha, mostram o caminho. Canabarro explica que após sucessivos naufrágios na região de Arraial do Cabo, a administração brasileira decidiu, em 1832, pela construção de um farol na Ilha do Cabo Frio. Foi escolhido o ponto mais alto para que a luz se propagasse com maior alcance, e as obras foram iniciadas um ano depois. Fruto de mão-de-obra escrava, o projeto do major Henrique Bellegard foi erguido com o trabalho de homens, que levavam ao cume de quase 400 metros de altura rochas, conchas e óleo de baleia para preparar a argamassa; e mulheres, que faziam em suas próprias coxas as telhas que protegeriam a casa da faroleiro. Além das duas construções, foram edificados o quartel de destacamento, um aqueduto e uma cacimba — uma espécie de poço.


Inaugurado em 1836, o farol não conseguiu, no entanto, cumprir seu principal objetivo, que era o de orientar as navegações de cabotagem e costeira. Com simples observação prévia seria possível perceber isso, explica Canabarro. Até hoje, em grande parte do tempo, o topo da ilha fica encoberto pelo nevoeiro associado à brisa terrestre, impedindo, pois, a propagação da luz. O major Bellegard, contudo, culpou a evapotranspiração das árvores e exigiu que toda a copa da ilha fosse devastada. A falta de verde agravou ainda mais a situação. Vinte e cinco anos depois, contra sua vontade, foi erguido um novo farol.


O primeiro grande atrativo da caminhada é a cacimba, localizada nos últimos 30 minutos de trilha e cuja função era abastecer com a água acumulada da chuva o grupo do destacamento, via aqueduto, e o faroleiro, que descia diariamente com uma lata d’água na cabeça. Alguns metros acima, as ruínas da casa do faroleiro chamam a atenção. Nas paredes, é possível ver pequenas conchas e rochas, material trazido da base da ilha pelos escravos. Já o barro e os tijolos foram feitos ali mesmo, assim como as telhas de diferentes tamanhos.


A dez minutos da casa, encontra-se o farol. Uma pequena escada, mantida em sua forma original e, por isso, com degraus em má conservação, dá acesso ao topo da construção de dez metros feita com mármore português e rochas oriundas do Rio de Janeiro. Lá em cima, nada além da vista maravilhosa e do uivo do vento. A natureza se apresenta em seu estado mais puro.


De acordo com o IEAPM, os visitantes precisam ter entre 14 anos, com autorização dos pais, e 60. Os grupos não devem exceder 15 participantes, nem ter menos de cinco pessoas. O tempo de duração do passeio, segundo estimativa dos militares, será em torno de quatro horas. As excursões sairão do Museu Oceanográfico, e o translado até a ilha será feito numa embarcação do IEAPM.


A VIDA NO FAROL VELHO


Um lampejo branco de 1,2 segundo e um eclipse de 8,8 segundos são suficientes para orientar navegantes a aproximadamente 90 quilômetros de distância. Dessa forma funciona até hoje a edificação erguida em 1861, 155 metros acima do nível do mar, numa formação vulcânica de 52 milhões de anos longe de qualquer nevoeiro. O caminho até o farol tem início na base da Marinha, no canto direito da Ilha do Cabo Frio. Um passeio em mata aberta, com vista para vários pontos da costa — um deles é rota migratória de baleias jubarte —, leva até o quartel, onde vivem o faroleiro e outros três militares, um eletricista, um metalúrgico e um mecânico. O farol é de responsabilidade do Centro de Sinalização Náutica Almirante Moraes Rego (CAMR), no Rio de Janeiro.


No topo da torre, planejada por Thomaz Dixon Lauden, as espessas lentes de vidro são originais do antigo farol, mas, diferentemente do que ocorreu em 1836, foram carregadas por trabalhadores assalariados. A rotação a que estão submetidas é essencial para que as características da luz sejam emitidas. São 16 metros ou 86 degraus até lá, subida feita pelo menos duas vezes ao dia pelo faroleiro, o cabo Anilton Moraes, responsável por acender o feixe de luz ao por de sol e apagá-lo no raiar do dia até o mês de março, quando outro colega vai substituí-lo. A guarnição é trocada a cada três meses.


— Subo para ligar e desligar o farol. Mas sempre venho bem mais vezes porque, além de precisar fazer a manutenção, esse ponto aqui é o único em que o celular pega — conta Moraes, que classifica a saudade da família como a principal dificuldade do trabalho, muito pior do que as cobras peçonhentas que já viu no meio do caminho.


A rotina vai além do farol. Pela manhã, os quatro militares decidem o que vão fazer. Entre as tarefas estão o manejo da trilha, o cultivo de uma pequena horta, a criação de animais e a manutenção das instalações. Nas horas vagas, a leitura é o principal atrativo. E a solidão vira rotina.


— É a primeira vez que estou servindo em um farol. Gosto bastante, pois trabalho diretamente com a natureza. Acordar todos os dias e ver esse mar é gratificante, compensa até a solidão do trabalho — garante Moraes, casado e pais de duas crianças.


O capitão-tenente encarregado da divisão de Sinalização Náutica do Sudeste, Tiago Nicolay, oficial do CAMR, conta que há 25 anos os faroleiros passavam dois anos trabalhando no farol com suas famílias. Hoje, a visita de parentes é proibida, bem como a ida dos militares ao continente, salvo em situações emergenciais e quando é necessária a compra de mantimentos. Devido a essas restrições, antes de serem escalados, todos passam por consultas com psicólogos e recebem treinamentos de enfermagem e culinária.


— Para nós, militares, o confinamento é algo natural. Aqui, cada militar tem sua casa, todas construídas no século XIX e restauradas no século XX. Televisão e DVD são fornecidos pelo quartel. Além das visitas, a bebida alcoólica também é proibida — explica Nicolay.


Na volta da trilha do farol, a praia é convidativa para um mergulho. Com águas azul-turquesa, o local já foi morada de um povo pré-indígena, com registros entre 1.200 a 3.200 anos atrás, que deixou um sambaqui de aproximadamente 400 metros de extensão e 200 metros de largura. Numa área cercada nas dunas, é possível ver essa formação, composta de conchas, resto de peixes, outros animais e dejetos orgânicos. Sobre ela, uma figueira centenária, que em condições normais não cresceria na região das dunas. Acredita-se que o sambaqui funcionou como uma bacia que concentrava água da chuva e abastecia a árvore. Mais uma prova de que toda a ilha respira história.

 

Fonte: jornal O Globo

Categorias: Turismo

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